Retrospectiva e inversão de papéis em Terra Comunal, Marina Abramovic – por Fernanda Molinaro

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Frequentemente incompreendida, a artista sérvia Marina Abramovich conseguiu o quase impossível na arte contemporânea: o de despertar o interesse na performance a milhares de pessoas.

Desde suas primeiras “obras” a artista desafia o corpo e mente. Em 1973, ela dança nua ao som de tambores africanos até cair exausta no chão. Em ‘Rest Energy’, com o antigo parceiro Ulay, afronta a morte quando tensiona um arco e flecha contra o peito, ao mesmo tempo em que o público pode ouvir as batidas de seu coração. Com o mesmo Ulay, com quem dividiu vida e obra, fez a maior das travessias, em ‘The Lovers, The Great Wall Walk’ (1988). Partindo de direções opostas da Muralha da China, os (ex-)amantes caminharam noventa dias para, ao se encontrar, dizer adeus. No entanto seu mais recente sucesso foi a perfomance chamada “the artist is present”, que atraiu mais de 850 mil visitantes ao Museu de Arte Moderna de Nova Iorque que exibia uma retrospectiva de seu trabalho. Durante toda a exposição, 736,5 horas no total, ela se sentou em uma mesa de madeira, na qual os visitantes se revezavam para enfrentar seu olhar durante o tempo que quisessem. A performance silenciosa exigia muita concentração e disposição física, sobre a qual ela observou: “O conceito de fracasso nunca entra na minha mente”. A obra também contou com a participação de convidados especiais, incluindo outros artistas performáticos como Lady Gaga e Bjork. E em um momento particularmente emocionante (filmado e disponível no youtube), seu ex companheiro Ulay.

Abramovic é consciente sobre a sua importância, e está determinada a deixar um legado duradouro. “Sou como uma marca, como a Coca-Cola, a Fundação Fulbright, Lincoln Centre, o que quiser”.

Um dos obstáculos para a arte da performance é a sua qualidade efêmera. Como arquivar e conservar as evidências de performances passadas é uma questão que o MAI – Instituto Abramovic Marina ou os “Many Artists Institute” – planeja lidar. Ela escolheu um edifício em Hudson, uma pequena cidade a duas horas de Nova York, e contratou o arquiteto Rem Koolhaas para renová-lo. O Instituto abriga um workshop dedicado a ensinar o método de Marina Abramovic. A artista reluta em denominar o Instituto de escola, mas considera o termo “spa cultural” mais adequado.

Marina desenvolveu em seu Instituto um método para desacelerar o corpo e mente. Ter acesso a este método é um dos pontos altos da exposição Terra Comunal – Marina Abramović, do SESC Pompéia que apresenta obras marcantes na carreira da artista, e de Terra Comunal – MAI, a maior apresentação do Instituto até hoje. A exposição aborda três pontos na prática de Abramović: o Corpo Artista, referindo-se à presença de seu próprio corpo em suas performances; o Corpo Público, que se torna evidente pela desconstrução dos limites entre performer e observador; e, finalmente, o Corpo Estudante, que cria espaços de colaboração para artistas, pesquisadores e o público.

O título da exposição, Terra Comunal, é inspirado nas experiências de Abramović no Brasil. Desde 1989, a artista vem visitando o país para pesquisar cristais e sua influência sobre o corpo e a mente, o que marcou significativamente sua prática artística. Ela criou objetos usando cristais e outros minerais brasileiros que, mais tarde, viriam a ser utilizados no Método Abramović. Ao falar sobre a força da natureza no Brasil, a artista explica: “Quero dizer, onde o céu é grande e cheio de nuvens. Quero dizer, onde a chuva chega de uma só vez e, assim que começa, ela para. Onde você pode respirar o ar a plenos pulmões”.

O método consiste em 4 etapas que dão início após uma apresentação em vídeo de 30 minutos na qual Marina, vestida com um jaleco branco bordado com as iniciais IMA apresenta uma série de exercícios de respiração e de movimentos, como sacudir o corpo todo “para se livrar de toda negatividade”. Após esta agitada introdução, o participante recebe um fone de ouvido que bloqueia os sons externos e possibilita a atenção em sua própria respiração. O grupo de participantes se divide orientados silenciosamente pelos instrutores, que conduzem aos objetos que permeiam os exercícios. Um deles é permanecer de pé por 30 minutos diante de um toco de madeira cravejado com 3 cristais (um na altura da cabeça, outro do tórax e o último do ventre). O outro, sentar-se de forma ereta em vários e belos assentos de madeira cravejados de cristais brutos em diferentes pontos, por mais meia hora. Um dos mais significativos é uma travessia de 30 minutos a ser percorrida em câmera lenta. O interior do SESC Pompéia é um belo local para se apreciar durante a lenta caminhada. Por fim, deita-se em uma estrutura de madeira e cristais aparentemente desconfortável, mas que permite um relaxamento intenso (e até um cochilo) depois de desacelerar corpo e mente por 2 horas.

Nesta performance atípica, a artista transforma o seu público em performers, concedendo o seu ponto de vista ao participante, que após esta experiência de imersão em seu próprio pensamento e no silêncio, pode absorver sua obra com uma nova perspectiva.

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