A Roda Viva da Clínica

img_site_ato_falho.png

A Roda Viva da Clínica

por Andréa Favalli, Carolina Chaccur e Márcia Mendes *

              Hoje é dia de recepção a novos pacientes. Estamos na primeira semana do mês e desde cedo a clínica fervilha. Na sala de espera reconhecemos pelo olhar um tanto perdido e ansioso os novos pacientes que preenchem a ficha de inscrição. Os terapeutas arrumam a sala, uma dupla interracial de coordenadores de equipe e um observador do curso de Fundamentos da Psicanálise se colocam de corpo presente para o encontro. Observamos o movimento dos olhos: “O que será que querem aqui?”

              Abrimos a sala e todos se acomodam. Temos pessoas de 18 a 60 anos de diferentes raças, identidades de gênero e classes sociais reunidas pela primeira vez em grupo. Logo na apresentação Joana** se emociona e não se contém em um choro que pode ser acolhido. Maria diz que precisou ligar por 3 meses para conseguir a vaga e que estava muito ansiosa por este dia, Valéria inicia sua fala, mas logo pede um copo de água por estar passando mal e se cala, João conta que é migrante de Pernambuco e nunca fez terapia, Sidney é professor universitário e se mantém com certa indiferença ao grupo. Alock não conseguiu chegar! Negra, encaminhada via Comissão de Rede por um dos projetos sociais com os quais temos parceria, em conflitos com sua identidade de gênero e vulnerabilizada por sua condição social, precisou ser acolhida em uma escuta individual. E assim, o baile da recepção começa!

              São 3 os encontros que compõem a recepção a novos pacientes. Deste olhar individual no coletivo discutimos em equipe a demanda psicoterápica de cada paciente e ampliamos a clínica na compreensão dos determinantes sociais no processo de sofrimento psíquico. A equipe multiprofissional composta também por assistentes sociais e psiquiatras contribuem na discussão, e um Projeto Terapêutico Singular por vezes se torna necessário para o acolhimento do paciente na Clínica. Articulações com diferentes serviços da rede de saúde mental e assistencial da cidade podem ser planejados e disparados quando necessários.

              Fazemos então uma aposta que passa por questões como:

  • Qual a melhor modalidade de atendimento para este paciente, individual ou em grupo? Esta questão vem trazendo desafios para esta Clínica Social que vem tentando apostar no fomento aos grupos, mas que se depara com a demanda pela exclusividade e a individualidade.
  • Dentre os diversos grupos e os mais de 100 terapeutas, aprimorandos e voluntários na clínica vinculados às equipes clínicas, para quem encaminhar? Pensamos nas relações transferenciais e nas potencialidades dos encontros.

              Nas 8 equipes clínicas e nos Projetos de Atenção à Infância (PAI) e à adolescência (CAIS) acompanhamos os processos psicoterápicos em reuniões semanais. Os saberes dos integrantes dos diferentes cursos do Instituto e da equipe multiprofissional podem ser compartilhados na produção de um olhar institucional sobre o processo psicoterapêutico do paciente.

              À equipe de contratados cabe ainda a cogestão do modelo de atenção proposto. Atualmente, tomando como desafio a construção de uma clínica de orientação decolonial, temos trabalhado o Eixo da Racialidade em um conjunto de iniciativas em fase de planejamento, entre elas: a revisão das portas de entrada e da oferta da gratuidade para pessoas vulnerabilizadas por questões de raça, gênero ou classe. Hoje, dos 240 pacientes que temos em atendimento, apenas 28% se autodeclaram pretos ou pardos e esta é uma questão a ser enfrentada.

              Como esta, muitas outras questões têm nos habitado, como a necessidade de uma maior abertura à população LGBTQIA+, as dificuldades de acesso ao Instituto Sedes e a construção de ações extramuros, o aprofundamento de nosso papel como clínica social na rede de saúde mental do Município de São Paulo, entre outras.

              O movimento da Clínica é circular e gira através de uma dinâmica contínua. As parcerias dentro da equipe e com os cursos do Instituto Sedes promovem a permanente interlocução e criação de pensamento clínico.

             A Roda da Clínica é viva, ativa e desafiadora, nossa composição é múltipla. Caso identifique-se com nosso Projeto Ético-Clínico- Político é só se aproximar!

*Membros da Equipe Gestora da Clínica do Sedes

** Os nomes utilizados são fictícios

 

 

Share this post

scroll to top