Um poema de Mario Benedetti espera há meses por um espaço livre em nosso jornal digital. É Windows 98 a nos lembrar tempos de afetos pré-informáticos, de vergonhas artesanais... Seriam mais fundas as que vivemos agora, quando o fascínio nas redes sociais odiosamente sugere que amor não quer dizer grande coisa? A fim de lidar com essa fantasmagoria, Fernanda Almeida repertoria os mitos da segurança e as narrativas da disciplina a enfrentar. Enquanto isso, de Cuiabá, Adriana Rangel toca a língua da rua e as transcriações que nos enlaçam: o que tenho a ver com isso?
Todo o mais - e não é pouco, nesta rica edição – são bem traçadas linhas a modular respostas várias: o sonho, a roda, o mapa, a tessitura das ligações em rede, a música e a cena - nossos antidepressivos relacionais.
O eixo das figuras do sonho conecta as poéticas, literárias e fotográficas, de Tiago Novaes, Rubia Delorenzo e Tanya Volpe. Confiança no cotidiano que recomeça a cada vez, algo em nós que se pensa e avança. Soraia Bento também parte do sonho, um sonho de fazer acordar: o mais profundo à flor da pele.
A conversa em roda enlaça os escritos de Daniela Danesi e do Nuraaj em parceria com o Amma Psiquê. É do artigo potente de Liamar Oliveira, Priscilla Prada e Rafael Raicher que sopra a direção do movimento de nos colocar em posição afro-brasileira. Evocação tão necessária essa a da ciranda, da capoeira, do samba, do olhar ameríndio para a memória dos vivos.
Notícias trazidas por Márcio Farias dão conta ainda do valor de registrar, também na palavra impressa, o racismo estruturante de nossas subjetividades e sociabilidades. Por isso Soraia escreve A sombra da sombra: para não esquecer e nos convidar a seguir junto na tarefa de cortar na carne essa doença social, portanto, histórica. Também Márcia Ramos e Tiago Matheus escolheram a roda como dispositivo para tratar a democratização da educação em meio a retrocessos. Pela escuta da psicoplastia das derivas adolescentes, sua proposta conversa com a intervenção de Dani Danesi: Deu ruim? Também pode dar bom !
O mapa. Ah, as ressonâncias do mapa vivo da Clínica do Sedes na articuladíssima reportagem de Déborah de Paula Souza, a inspirar nossos novos aprimorandos. A cartografia da rede latinoamericana que nos conecta ao Rio de Janeiro, Porto Alegre, Buenos Aires, Montevidéu, Cidade do México, Lima e Santiago, no trabalho reportado por Silvia Alonso junto à FLAPPSIP. Uma outra rede, de emergentes políticos nas periferias, na transmissão ético-política de Tide Setúbal. Nosso Departamento que se amplia ao receber, em debate, amigos autores e leitores de Percurso e nas bem-vindas apresentações públicas de novos membros.
O som sem fúria de Os antidepressivos, a convocação das performances nos teatros: a apreciação, por Cristina Barczinski, de nossas sonhadas e incertas odisseias de volta a Ítaca; as metamorfoses sublimatórias de Mariana Lima segundo Maria Carolina Accioly.
Do conto ao ponto, tudo isso faz psicanálise, arremata Alice Bei. Escrita que (re)constitui vivacidades. No percurso de uma análise ou, em Rubia Delorenzo, na potência da vida que se publica.
Vamos ver, vamos ler!
Com abraços da
Equipe editorial
Cristina Barczinski, Elaine Armênio, Maria Carolina Accioly, Mario Pablo Fuks, Nayra Ganhito, Sílvia Nogueira de Carvalho e Tide Setúbal.