Rubia Delorenzo[1]
As idades da mulher, 1905, Gustav Klimt
Faço muito esforço para levar uma vida normal. Meu corpo me ocupa demais. Acho que nem é o corpo. É a morte que me ocupa nessa obsessão pelo bom funcionamento do corpo.
Às vezes desejo morrer rápido, de repente, na calada da noite, sem perceber. Quem não quer?
Disfarço. Pareço calma.
Quando passa esse difuso mal-estar, essa sensação de desabamento que finjo não conhecer, a vida volta.
Me emociono com a menina que nada como um peixe, que desenha furiosa com a paixão de artista.
Com a garota que já sonha com o sísmico da adolescência, já sarcástica com a vida de criança.
Tomo a pequena pela mão, dou-lhe banho, a água cálida cai, aquece, escorre leve e macia a espuma do shampoo. Conversamos, rimos, só mais um pouquinho… como se não me custasse o corpo. O amor delas me conforta, desisto de querer morrer na calada da noite. Queria sarar deste meu corpo que seca, que sua, que oscila.
Queria só viver para o amor, para esse riso aberto ou envergonhado, para o acontecimento aguardado, o dentinho que cai, o primeiro Valisère. Para a inquietação íntima do dia a dia, a pergunta que vibra, direta, os embaraços desnudados.
Bonito tudo isso, esses movimentos ondulantes dos corpos que se agitam, em comunhão com o tempo que promete. Que o amor venha e coma tudo.
Maio - 2021
[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, colaboradora deste Boletim.