Rodrigo Blum[1]
O Humor é coisa séria.
Esse é o nome do livro de Abrão Slavutzky.
Entrelinhas.
Esse é o nome do mais novo espaço de interlocução criado pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae a seus membros.
Sábado dia 20 de setembro de 2014, 10 horas da manhã.
Com um contagiante senso de humor, Abrão nos propõe uma abertura.
Abertura que logo de início se mostra na espacialidade da sala e do setting.
Uma bem humorada desconstrução transforma a sala preparada para um seminário em uma aconchegante roda de conversa. Isso, uma roda de conversa!
Assim o Entrelinhas era inaugurado.
Uma roda aberta para conversa onde o humor e a psicanálise seriam seus atores.
Seguindo a linha da leveza e a maestria de um contador de piadas, ou ainda, de histórias - como bem prefere o autor -, Abrão nos conduz aos mais profundos, densos e graciosos temas de sua publicação. De posse do significativo conceito de sentido de humor, inicia a conversa nos convidando a viajar com ele pelo longínquo percurso que o levou em direção a este tão marginalizado conceito pelos diversos campos psicanalíticos. Seja pela via de sua análise pessoal, seja pela escuta atenta de seus pacientes ou através do importante texto freudiano de 1927, o dom raro do humor se apresenta como ponto de partida e de chegada.
Partida para um terreno fértil e muito pouco explorado. Chegada em sua potência desconstrutiva e ao mesmo tempo onírica. O humor de Abrão, ou ainda, o humor tema de pesquisa do autor - evidentemente é quase impossível separá-los - nos é recortado e exposto na leveza de uma conversa solta e sagaz. É impossível não deixar de destacar o tom sério - ou seria melhor, taciturno? - que muitas vezes permeia os eventos, seminários e debates psicanalíticos, sinalizando para enorme dificuldade que os psicanalistas encontram para juntar humor e psicanálise.
Abrão vai ao ponto!
Seu livro, suas ideias, sua pesquisa, sua clínica e, sobretudo, sua implicação com a metapsicologia do humor têm como sentido máximo a seriedade chistosa do humor. Apossado do mais rigoroso conceito freudiano de humor, Abrão nos apresenta o ineditismo do tema do artigo de 1927. Neste importante texto, Freud afirma categoricamente que o humor é uma coisa séria. Séria a ponto de restabelecer a relação lúdica e satisfatória da experiência infantil, propiciando ao psiquismo um investimento permanente no próprio ideal de ego, quanto satisfaz seu ego ideal, carregando em seu bojo a tragédia, a alteridade e o estranhamento.
Tragédia, alteridade e estranhamento. Elementos que juntamente com a leveza do fio clínico e psicanalítico compõem o sentido da viagem na qual Abrão nos convida a embarcar. Composta por um triplo percurso - linhas criteriosas e destacadas na leitura de Mezan - que entrecruza as fronteiras da cultura, da psicologia e a intimidade do consultório, sob a lógica de uma metapsicologia do humor sem prejuízo a nenhuma destas dimensões.
Durante a conversa as entrelinhas foram se cruzando, costurando uma configuração aberta e fértil, como bem generoso é o dom do humor. A seriedade do tema e a sagacidade do autor, aos poucos, foram dando lugar às intervenções dos convidados, ou se preferirmos, foi generosamente ganhando laços nas mais bem humoradas histórias e reflexões. O tempo e o ritmo, elementos determinantes para uma boa piada, elementos essenciais para toda análise, foram generosos com os atores deste evento. Como numa boa e solta conversa entre amigos numa mesa de bar, o sentido do humor mostrava-se soberano. Sem ponto de parada – ou, se preferirmos, um ponto de corte -, uma questão atravessava e ironicamente assombrava o coordenador: como interromper as falas sem calar o humor?
O senso de humor, a fertilidade das reflexões psicanalíticas, o profundo conteúdo e, sobretudo, a fluidez da conversa indicavam uma continuidade. Esticar a conversa se mostrava mais do que uma necessidade temporal, sinalizava uma aliança fiel à maior herança que o humor pode nos propiciar: o brincar com a realidade. De fato o humor é coisa séria. Tão sério que teve o desplante e a honra de ser o primeiro a inaugurar um espaço psicanalítico tão especial como este: Entrelinhas.
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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Terapeuta da instituição Projetos Terapêuticos.