CLEIDE MONTEIRO
DEBORA FELGUEIRAS
MARIA HELENA CAFFÉ
PEDRO MASCARENHAS [1]
Qual o lugar do trabalho na contemporaneidade? Ele ainda seria central para pensarmos o pacto social, tal como proposto por Hélio Pelegrino em Do pacto social ao pacto edípico? Seria central para a constituição dos sujeitos sociais? E para a constituição dos sujeitos psíquicos? Como os sujeitos contemporâneos vivem o trabalhar?
Perguntas que ressoavam em escutas clínicas, comentários que circulam em espaços sociais levaram o grupo Psicanálise e Contemporaneidade a mergulhar no tema do trabalho acompanhado dos textos de Cristopher Dejours, psicanalista francês que há muitas décadas tem estudado a relação da subjetividade com o trabalho.
Uma primeira surpresa: o autor defende a centralidade do trabalho para a constituição da subjetividade, para a saúde e desenvolvimento psíquico, bem como para a ampliação do processo civilizatório.
O trabalho como forma de pertencer a uma sociedade, a uma comunidade vai apresentando sua importância. O trabalho como um meio permanente de constituição através de inúmeras relações de pertencimento, de reconhecimento a um grupo por meio de seu fazer e como uma possibilidade sublimatória de relevante importância. Questões da própria química do corpo, de suas formas de utilizar a energia e de obter prazer se compõem na atividade do trabalho. O engajamento subjetivo com as tarefas do trabalho desafia a capacidade humana, pois há sempre algo do imprevisível se apresentando ao trabalhador - que favorece a tolerância à frustração e permite saídas criativas.
Mas também fomos conhecendo o sofrimento e adoecimento dos trabalhadores quando não há reconhecimento das necessidades “humanas” que o trabalho implica. O homem vira objeto de uso, mercadoria. Algumas formas atuais de organização e gestão do trabalho entram nessa categoria e vão promovendo adoecimentos de várias ordens, descompensações físicas e psíquicas que costumeiramente levam à psiquiatrização do quadro e ao uso de medicamentos como única forma de tratamento. Essa conduta destaca a falha do sujeito em sua capacidade adaptativa e não aponta para as formas de sociabilidade que impossibilitam a criatividade, pertencimento e reconhecimento.
Nesse contexto, surgiu o interesse de alguns de nós em realizar uma experiência de atendimento a trabalhadores em sofrimento psíquico na clínica do Sedes. Nasce o projeto Laborar.
Constatamos ao longo da construção do Projeto Laborar que o sofrimento e adoecimento por conta das relações com o trabalho é endêmico na categoria de professores. Desta forma, pensamos em realizar um grupo piloto com membros dessa categoria supondo haver uma grande quantidade de interessados.
Nosso contato com entidades que congregam professores em vários níveis teve uma grande receptividade inicial, que no entanto não se materializou. Considerações de vários níveis apontam que os professores já pagam um valor pela assistência médica estatal e isso dificulta sua disponibilidade para mais gastos. As próprias instituições contratantes e representantes de trabalhadores não se dispõem, de fato, a mobilizarem-se para divulgar o projeto.
Os encaminhamentos via clínica do Instituto Sedes Sapientae não foram suficientes para a constituição de grupo de atendimento.
Essas dificuldades que enfrentamos na implementação do projeto têm nos estimulado a pensar formas de superá-las. Nossos contatos com alguns psicólogos de organizações têm propiciado uma ampliação das questões de gestão que atravessam o trabalho em cada área de aproximação.
Diante dessa realidade, levantamos a hipótese de que as entidades contratantes e representantes dos trabalhadores, assim como os próprios possuem uma leitura do adoecimento psíquico como uma problemática individual, apesar de reconhecerem algumas vezes que são as condições no local de trabalho que os adoeceram. Parece que a doença que se instala no corpo físico e/ou psíquico só pode ser vista como adoecimento individual, dificultando o entendimento de que se trata de um sintoma coletivo representado no corpo de um sujeito que compartilha da problemática dessa coletividade. Essa primeira hipótese se desdobra em outras, a saber: 1. Empresas, sindicatos e trabalhadores buscam soluções para o tratamento do indivíduo, preferencialmente de forma medicamentosa. Essa parece ser a forma mais rápida e mais eficiente de combater o sintoma - desejo tanto do trabalhador que não quer ver-se identificado como alguém incapaz de executar suas tarefas, como do patronato que deseja manter a baixa abstenção; 2. O trabalhador fica em um isolamento, seja porque é afastado do trabalho pela condição de sua saúde, seja por esconder seu adoecimento porque seria visto como falha individual e incapacidade de adaptar-se às exigências do trabalho, ou seja, um fracasso e; 3. Falar sobre o adoecimento, seja em uma psicoterapia individual ou grupal, é evitado pelo trabalhador porque seria romper com o isolamento e silêncio que esconde, hipoteticamente, sua falha; no entanto, também seria uma oportunidade de descobrir a trama em sua história pessoal e coletiva que sustenta a formação desse sintoma.
Neste contexto, pensamos que essa clínica pode ter suas especificidades e particularidades, não se referenciando somente pelos parâmetros clássicos da clínica psicanalítica. Seria uma clínica ampliada? Qual clínica? Os contatos que estamos fazendo com alguns gestores em instituições públicas já se constituiria uma clínica ampliada? Como isso pode ser pensado e desenvolvido? Enquadres clínicos públicos, com um número variado de participantes, tendo esse tema no centro? Um trabalho de escuta no local de trabalho considerando a pluralidade do lugar do qual se fala, ou seja, operadores (nova denominação para os operários no paradigma dos serviços) e também gestores – que hoje adoecem tanto ou mais do que os operadores? Seriam esses caminhos possíveis?
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[1] Psicanalistas. Membros e aspirantes a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrantes do grupo de trabalho e pesquisa Psicanálise e Contemporaneidade, proponentes do Projeto Laborar.