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FLAPPSIP
SEXUALIDADE E PANDEMIA – SIMPÓSIO FLAPPSIP 2020
MARA SELAIBE [1] “Sexualidade tem algo a ver com a psicanálise?" [2] Essa frase-título de André Green visava, em abril de 1995, lembrar a certos grupos de psicanalistas, submersos nas questões ditas primitivas de seus pacientes, que eles estavam eliminando, em suas conduções de análises, justamente o cerne da invenção freudiana: a psicossexualidade.
Green afirmava sua posição nessa oportunidade. Desenvolvia seus argumentos para sublinhar que as questões relativas à importância do objeto fornecedor de “segurança, paz, tranquilidade, bem-estar e assim por diante [e] que são pré-condições do prazer”, não deveriam implicar na suspensão, ou até mesmo na retirada, da escuta dos conflitos relativos à condição trágica inerente ao fato do objeto ter outros objetos de prazer. Como deixar de fora das análises dos pacientes, mesmo aqueles ditos difíceis e frágeis, o reconhecimento da separação do eu inicial de seu objeto primário, com todas as implicações da triangulação, da decisiva importância do desejo e de seus deslocamentos sublimatórios inevitáveis se isso tudo não deixava de estar ali, de algum modo, nos materiais de sessões relatadas, à espera de serem analisados? Pulsão e objeto.
A sexualidade, justamente, não cessa de futucar e instigar a psicanálise. Neste momento, por exemplo, diante de uma pandemia que nos lança a todos numa confrontação à nossa condição de sujeitos desamparados, poderíamos decidir que o mais importante nos nossos trabalhos clínicos psicanalíticos não estivesse exatamente sob a égide da pulsionalidade, mas, sim, estreitamente voltado às questões do trauma e do lugar do objeto na relação analítica. Isso se justificaria dada a reatualização das vivências de vulnerabilidade impostas pelas circunstâncias reais e mesmo pelas falhas de ordem narcísicas impeditivas, a muitos pacientes, de suportar os golpes desestabilizadores derivados de eventuais, mas prováveis, desorganizações de suas vidas cotidianas.
Parece ser um momento oportuno de retomarmos atentamente o artigo de Green; momento dos analistas não atuarem cisões: “Com certeza sabemos que se trata de uma sessão analítica, mas mesmo assim... O que quer dizer que saímos do mundo da sessão e o misturamos com considerações que pertencem ao mundo externo. Então dizemos: claro, sabemos que estamos lidando com a realidade psíquica, mas, mesmo assim...” (Green, p. 225, retomando O. Mannoni, 1969). E é aí onde se faz necessário sustentar nosso ofício, implicados em pensar o quanto as conflitivas da ordem da sexualidade (o prazer e o desprazer) e do amor aos objetos permanecem ativas diante da crua realidade da pandemia.
Inclui-se, pois, nessa vertente a proposição e organização, pela diretoria da FLAPPSIP, do Simpósio 2020. O título Sexualidade e pandemia explicita uma atenção a tais questões. Durante as manhãs de dois sábados (07 e 14) de novembro, as dez instituições integrantes da Federação puderam apresentar questões teórico-clínicas e discuti-las entre todos os presentes. Esse simpósio tradicionalmente acontece no país sede da Diretoria da Federação - que neste momento está locada em Buenos Aires. Entretanto, em razão da pandemia, deu-se em-linha pela plataforma Zoom. A modalidade consagrada, com trabalhos em grupos, sustentados por relatos clínicos, foi alterada para a composição de duas mesas. Dessa maneira buscou-se evitar qualquer risco contido em apresentações clínicas pela internet.
Evidentemente, as decisões implicadas na modalidade de atendimento em-linha ganharam a cena na maioria dos trabalhos. Não surpreende que tenha sido assim. A pandemia atingiu (e ainda atinge) o fazer psicanalítico não apenas pela imposição derivada do protocolo exigido para evitar contágios, mas pelos desafios técnicos decorrentes quando se considera o atendimento de consultório, o atendimento institucional, o atendimento de crianças, de adolescentes, de pacientes psicóticos... O Simpósio buscou alcançar a questão tanto pelo vértice do analista quanto pelo do paciente. Na primeira manhã, as apresentações estiveram dedicadas ao tema A sexualidade, o analista e sua clínica em época de pandemia. E na manhã do dia 14 tratou-se d’ A sexualidade, o paciente e seu processo terapêutico em época de pandemia.
Em relação à psicossexualidade muitos interrogantes se apresentaram no transcurso dos atendimentos nesses últimos meses. De alguma forma, eles estavam colocados nos textos apresentados; a despeito de que, numa parte deles, possa-se constatar que de modo significativamente indireto. Talvez porque sejamos ainda neófitos nas circunstâncias para arriscar afirmações. De toda maneira, ao acompanharmos as apresentações dos colegas, pudemos alcançar hipóteses nas quais era possível tangenciar o manejo das transferências mais intensas atravessadas por uma distância (o não presencial). Também algumas perguntas tais como: de quais maneiras os pacientes lidam com seus corpos enquanto os escutamos pelo telefone? O que fazem enquanto falam com seus analistas subtraídos da sala de análise? Que lugar toma a voz – como único traço corpóreo presente do analista – ao alcançar o paciente durante as sessões? O que o fato de não se estar presente na sala de análise, mas mediados pela tecnologia, permite ao paciente dizer mais à vontade do que poderia fazer na modalidade presencial? Esses são apenas poucos exemplos das problemáticas circuladas nas trocas entre os presentes nas duas manhãs de encontros.
Ainda, por último e em especial, vale ressaltar a apresentação das colegas Danielle Breyton e Helena Albuquerque – representantes do nosso Departamento no Simpósio – cujo texto destacou, com muita delicadeza, um movimento psicossexual de uma paciente, possivelmente favorecido pela mediação – no caso protetora – das telas na pandemia.
O conjunto dos trabalhos está disponibilizado nos endereços:
https://www.youtube.com/watch?v=jXjQlA2DndA dia 07
https://www.youtube.com/watch?v=44rtToeMFIY dia 14 [1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, articuladora de Relações Externas no Conselho de Direção 2019-2020. [2] Green, A. “Sexualidade tem algo a ver com psicanálise?” In Livro anual de psicanálise, tomo XI. São Paulo: Escuta, 1995, pp 217-230.
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