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JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS |
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16 |
Abril de 2011 |
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O MUNDO, HOJE
UM LUGAR PARA SE PÔR NO MAPA (1)
Inhotim é uma instituição de arte aberta ao público desde outubro de 2006, criada com base na coleção particular do empresário de mineração Bernardo Paz que, aos fins dos anos 90, passou a substituir sua coleção de arte moderna por obras datadas a partir dos anos 60, a começar pelas aquisições de trabalhos de Cildo Meireles, Miguel Rio Branco, Paul McCarthy e Tunga.
Com projeto paisagístico influenciado pelo modernista Roberto Burle Marx (1909-1994), que costumava visitar a então casa de campo de Paz entre os anos 1987 e 1989, sua relevância pública e seu enfoque em arte contemporânea resultaram do incentivo do artista pernambucano Tunga. Em abril de 2008, Inhotim foi reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP - pelo Governo do Estado de Minas Gerais e, em junho de 2009, pelo Governo Federal.
O Instituto Cultural Inhotim adotou o nome do distrito do município de Brumadinho onde está localizado, 60 km ao Sul de Belo Horizonte, numa zona de transição entre dois biomas - cerrado e mata Atlântica -, e seu reconhecido Jardim Botânico(3) é coordenado, desde janeiro de 2009, pelo paisagista Eduardo Gonçalves.
A história do projeto Inhotim aponta para alguns marcos dos estados-da-alma da arte contemporânea: a invenção de um lugar para habitar; a presença do crítico de arte como curador(4) ; as visitas frequentes e as residências de artistas para a criação ou instalação de suas obras(5); as parcerias educacionais estabelecidas com Universidades (UEMG, PUC Minas), Escolas de Belas Artes (Escola Guignard e Escola de Belas Artes da UFMG) e com as redes municipais de educação de Brumadinho e de Belo Horizonte; o recurso às leis de incentivo fiscal.
O complexo museológico abrange as 4 atuais galerias de exposições temporárias de longa duração - as galerias Praça, Mata, Fonte e Lago -, cujo calendário acompanha o da Bienal Internacional de Arte de São Paulo, às quais se somará a já anunciada construção da Grande Galeria do Inhotim. As demais edificações são destinadas às exposições permanentes de uma ou de algumas das obras de artistas específicos, dos quais recebe o nome: Galeria Cosmococa (Hélio Oiticica e Neville de Almeida), Galeria Cildo Meireles, galerias True Rouge e Lézart (obras de Tunga), e assim por diante. São pavilhões projetados por arquitetos que eventualmente trabalharam em estreita colaboração com os artistas a eles reservados(6). Noutras vezes, são pequenas casas de fazenda recuperadas – a mais antiga data de 1874, e se converteu na locação da cinética Continente/Nuvem, de Rivane Neuenschwander, mas há ainda o remanescente galpão de marcenaria, onde o argentino Victor Grippo instalou La intimidad de la luz em St. Ives...
Ao ar livre se encontram uma série de esculturas e de instalações espalhadas pelos diversos planos dos jardins – da invenção da cor no Penetrável Magic Square # 5, de Helio Oiticica (1939-1980), à versão Narcissus Garden Inhotim: sob o efeito do vento, as 500 esferas de aço inoxidável da artista japonesa Yayoi Nagano dão vida corrente ao espelho d’água sobre o Centro Educativo Burle Marx. Morros e matas deflagraram ainda algumas obras site-specific (que só se dariam naquele específico lugar), a se alcançarem por meio de trilhas nas quais transitam carrinhos elétricos destinados ao transporte interno de passageiros.
Em todos os casos, registra-se a presença de uma discreta equipe de jovens monitores, recrutados na região, a reiterar instruções elementares de visita ou a informar procedimentos específicos à apreciação de uma obra em particular (permanecer até 30 segundos no interior da obra By means of a sudden intuitive realization, de Olafur Eliasson; retirar sapatos para adentrar a galeria Cosmococa; percorrer Através, de Cildo Meireles, apenas ao utilizar calçados completamente fechados, etc.).
A excentricidade deste projeto contemporâneo, que abrange centenas de hectares de fazendas e um acervo considerável, incluída a diversidade de obras da reserva técnica, se realiza no texto-convite do folheto Inhotim. Como visitar: "Caminhe livremente pelos jardins e usufrua do encontro particular entre o meio ambiente e a arte contemporânea". Como suporte, um mapa legendado. A visita não tem um começo. Nem fim. Ainda que a proposta não fosse a de percorrer todo o conjunto expositivo, ao menos dois dias inteiros seriam necessários para poder experimentar, sem pressa, o que o Instituto dá a conhecer: das condições ideais para a realização de obras de grande escala à convivência entre as várias gerações e origens de seus visitantes; da comida bem feita nos diversos pontos de alimentação à biblioteca multimídia; dos diálogos possíveis entre as obras de diferentes artistas à concepção de paisagismo como arte.
"Eu não procuro, eu encontro". O dizer de Pablo Picasso se prestaria como mote do visitante que, entregue ao acaso, começasse seu trajeto pela polifonia de Forty part motet, ali bem pertinho da recepção do Instituto, na sala da galeria Praça onde a canadense Janet Cardiff instalou 40 caixas de som que reproduzem cada uma das 5 vozes dos 8 coros compostos pelo Coral da Catedral de Salisbury, gravadas em microfones individuais durante os 14 minutos de preparativos e de execução do moteto Spem in Alium nunquam habui, que o inglês Thomas Tallis compôs para o aniversário da Rainha Elizabeth 1ª, em 1575. Assim se passou comigo, a quem aconteceu permanecer por um pouco à entrada do círculo que era internamente percorrido pelas pessoas atentas à escuta de cada voz ou do respectivo agrupamento de vozes, para então me juntar à espécie de dança produzida pelo movimento de seus corpos... Quando a peça recomeçou, o homem à minha frente estranhou o sorriso com que eu respondia aos ruídos que ouvíamos, e falou, simples: “ Prefiro a música”. “Mas haverá música – disse-lhe – é só que ela gravou cada voz desde o início, então também há tosse, há burburinho...”. E ele disse, contente: “ Então tá certo, porque faz parte!”. Se preciso fosse, por ali eu começaria tudo outra vez.
Mas o espanto também viria ao meu socorro caso tivesse simplesmente tomado o primeiro transporte interno rumo ao vigor de Beam drop Inhotim, a instalação recriada por Chris Burden através da queda livre de enormes vigas de aço sobre um piso de cimento fresco. Ou se, movida pelo desejo de olhar através do trabalho de Olafur Eliasson, rumasse para a caleidoscópica Viewing Machine. Ou ainda se, seguindo uma preferência generalizada, alcançasse o Sonic Pavilion, de Doug Aitken, no qual especificamente se dá o acesso contínuo ao mutável som da terra situada a 202 metros abaixo de nós.
À continuação do passeio, é notável a arte que se faz da invocação musical que também ressoa em nós com Promenade, de Gonzalez-Foerster; da sensorialidade erótica dos materiais à flor da pele nas naves e copulônias de Ernesto Neto, ou à flor da terra, pelos trançados de Tunga; dos processos de trabalho de Janine Antoni na montagem de Swoon e do gesto de Dóris Salcedo em Neither, dos quais a obra é o que resta; do tempo presente de nosso olhar; da marca política de nossos desvios e passagens através das obras de um Cildo Meireles. Provocações com as quais coexistem, em Inhotim, as duas belas esculturas de raízes modernas de Waltercio Caldas e de Amílcar de Castro.
Desde esse percurso singular, penso que não poderia ter partido sem antes alcançar Desert Park, a distopia que Dominique Gonzalez-Foerster fez contrastar com a exuberância dos jardins tropicais repletos de palmeiras e que dispôs Borges, Bolaño e Fante ao alcance de nossas mãos; sem me deter por 6 minutos diante do delicadíssimo filme Word/World, de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães; ou sem comemorar A máquina do mundo, em que o engenho de Laura Vinci transporta pó de mármore para fazer figura ao poema de Drummond. É que, neste verão de 2011, as palavras destas estações seriam a necessária consolação para nossa cotidiana distância da beira do mar.
São Paulo, janeiro de 2011.  | (1) O presente título acolhe a proposição feita pelo curador Rodrigo Moura no texto "Um museu no sertão": "Aqui se descobriu um lugar para se pôr no mapa" In Pedrosa e Moura (orgs.). Através: Inhotim. Brumadinho: Instituto Cultural Inhotim, 2008, p. 31. (2) Psicóloga, analista institucional, psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e da equipe editorial deste Boletim Online. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo e de seu grupo de Arte e Psicanálise que, desde 2008, realiza os ciclos paulistanos Como Olhar a Obra. Integrante da equipe clínica da instituição Projetos Terapêuticos. (3) Título obtido em abril de 2010, de acordo com a Comissão Nacional de Jardins Botânicos. (4) Ricardo Sardenberg entre os anos 2001 e 2005 e a equipe composta por Rodrigo Moura, Allan Schwartzman e Jochen Volz, a partir de 2004. (5) Cildo Meireles, de 2001 a 2004; John Ahearn e Rigoberto Torres, entre 2004 e 2006; Pipilotti Rist, em 2005; Valeska Soares, em 2006; Doug Aitken, entre 2005 e 2009, entre outros. (6) Assim aconteceu respectivamente entre Rodrigo Cerviño Lopez e Adriana Varejão ou entre Paula Zasnicoff Cardoso e Dóris Salcedo, como exemplos. |
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