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NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO
ECOS DO PENSAMENTO DO PSICANALISTA VICTOR GUERRA CHEGAM AO DEPARTAMENTO DE PSICANÁLISE
CARLA BRAZ METZNER [I] ELOISA TAVARES DE LACERDA [II]
... como vamos vendo, o ritmo seria um dos primeiros organizadores do encontro intersubjetivo, base do advento do bebê como ser humano. Mãe-bebê, pai-bebê vão conformando um ritmo em comum, como uma música necessária e fundante, a dança da subjetivação. Dança que tem como instrumento central a comunicação e a linguagem corporal. Victor Guerra [iii] No dia 16/03/19 começamos nosso Grupo ECOS – de trabalho e de estudos-sobre o pensamento de Victor Guerra e de seus interlocutores, que tem como proposta percorrer um caminho clínico-teórico. Esse caminho nos leva a ouvir os acordes da psicanálise contemporânea em sua polifonia e sua possibilidade de fazer con-versarem as teorias e os diversos autores, pondo em cena a história viva de mais de cem anos de construção de conhecimento psicanalítico ,para aproximar e tentar alcançar a complexidade do humano. Sabemos que a subjetividade do “humano em estado nascente”, em sua paleta de tons e seus diversos matizes, precisa do assombro e, ao mesmo tempo, de certa opacidade do psicanalista, disposto a suportar seu não saber e se pôr à escuta de falhas/perturbações em momentos tão precoces da vida: trata-se dos traumas ainda não reconhecidos como vividos, embora sejam identificados como acontecimentos[iv]. Pelo necessário diálogo com as artes,Victor sensibiliza a nossa sensorialidade, nosso infans e nosso arcaico, como diziam Pontalis e Gomez Mango. O mudo dentro de nós ressoa e carrega o silêncio e os barulhos da instalação do psiquismo no soma: essa língua que se expressa no início da vida segundo códigos de comunicação que incluem não só o conteúdo verbal da mensagem, mas seusenvoltórios: sua prosódia, seu ritmo, seu tom de voz; o olhar como espelho, a imitação, a empatia e toda a semiologia da gestualidade humana. Desse mundo de sensações e marcas em busca de palavras, partimos para construir juntos uma narratividade do encontro com o outro. No livro O ritmo e a intersubjetividade do bebê [v]– lançado em janeiro de 2019 em Paris, fruto de seu doutorado e de toda sua experiência clínica – encontramos a aproximação oportuna entre a pesquisa em psicanálise e a construção de um conhecimento clínico. Esse diálogo traz uma contribuição importante tanto para a psicanálise em suas diversas clínicas com adultos, bem como dá lugar a questões importantes para a psicanálise com crianças. Observando o aumento expressivo de diagnósticos de autismo e hiperatividade, que muitas vezes revelam um desencontro entre a criança e seu ambiente primário, seus primeiros objetos, Victor fazia uma provocação e um alerta sobre a ineficácia do nosso olhar, da nossa escuta e da nossa técnica. Esse desencontro também se daria no impacto com a nossa subjetividade, com nossos silêncios, nossas dores emudecidas, que muitas vezes se escondem atrás de teorias e diagnósticos precipitados e superficiais. Através de seu filme Indicadores de intersubjetividade, Victor nos comunica a importância do encontro humano, da empatia e do ritmo nessa fase dos primórdios do psiquismo, que precisa da presença do outro para acontecer: ele nos conduz por um caminho que vai do encontro de olhares ao prazer de brincar juntos- respectivamente o primeiro e o último item dessa viagem de constituição do nascimento do psiquismo. A partir desse filme e de discussões sobre ele, caminharemos inicialmente pelas experiências do bebê – na criança, no adolescente e no adulto – que englobam a função da ritmicidade, marcadamente nos aspectos tanto do sentimento de ser quanto nos momentos de continuidade e de descontinuidade, parafraseando o psicanalista Albert Ciccone [vi].Caminharemos também, nesses primeiros passos de nossos trabalhos no ECOS, pelas experiências do bebê em sua subjetivação, marcada pelas sensorialidades dos primeiros laços que criam os espaços de dentro e de fora, os sujeitos e os objetos psíquicos, como pondera o psicanalista Alberto Konicheckis [vii], em estreita conexão com Victor. A partir daí, outros autores/interlocutores virão enriquecer nossas trocas ao longo de nossos encontros mensais. De imediato, esses dois interlocutores de Victor já nos convocam, e a partir deles convidaremos outros: Anne Brun, Bernardo Golse, D. Marcelli, D. Stern, D. Winnicott, G. Haag, E. Gomez Mango, J. Pontalis, M. Boubli, T. Ogden, R. Roussillon, C. Trevarthen e, ainda, interlocutores que são nossos colegas brasileiros. Ao encerrar, deixamos registrada aqui nossa satisfação de estarmos iniciando um projeto dentro do Departamento de Psicanálise (reiterando o convite para aqueles que se interessarem pela temática do ECOS), acreditando que todos poderemos nos enriquecer com as trocas coletivas ao longo de nossos encontros... ´...o trabalho analítico com as crianças pequenas (e com os bebês e seus pais, acrescentamos nós) implica também um trabalho especial com o “ambiente subjetivante”, que é instaurado pelos pais... pela creche... (pelos clínicos que se debruçam sobre os bebês/crianças pequenas, acrescentamos nós)... O trabalho analítico é, então, “polifônico”. Trabalhamos com aspectos da fantasmática parental, suas vivências afetivas e a representação que têm de sua filha/seu filho... com a criança contemos, espelhamos, brincamos, interpretamos, narramos (e lhes emprestamos corpo, palavras, psiquismo, acrescentamos nós), nos desesperamos e voltamos a recuperar a esperança, para que a subjetivação tome novos rumos e as “janelas abertas” se abram ao intercâmbio com o outro e não fiquem fechadas em um diagnóstico estigmatizante’ (que funcionaria mais como uma predição e não como uma prevenção, acrescentamos nós[viii] ).[ix] [i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Mestranda em Psicologia Clínica (PUC-SP). Colaboradora do Programa de Psicossomática da UNIFESP. [ii] Fonoaudióloga, mestre em Distúrbios da comunicação (PUC-SP). Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, do Departamento Psicanálise com Crianças e do Departamento de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae. Membro fundador da ABEBÊ – Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê. Coordenadora do núcleo de parcerias da Clínica da Constituição do Laço: corpo-linguagem-psicanálise. [iii] Victor Guerra, Rythme et intersubjectivité chez le bébé. Editions Eres, 2019. [iv] Winnicott, D. W. (1963) O medo do colapso (Breakdown). Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2005. [v] Victor Guerra: Rythme et intersubjectivité chez le bébé, Collection La vie de l’enfant dirigée par Sylvain Missonnier, Éditions érès, France, 2018. [vi] Albert Ciccone, “A ritmicidade nas experiências do bebê, sua segurança interna e sua abertura para o mundo”. In: Regina O. de Aragão e Silvia Zornig (orgs.), Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê . São Paulo: Escuta, 2018, pp.15-28. [vii] Alberto Konicheckis, “Subjetivação e sensorialidade: os embriões do sentido”. In: Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê . São Paulo: Escuta, 2018, pp.75-94. [viii] Nossa referência ao texto “Entre o estranho e o familiar”, das psicanalistas Isabel Kahn Marin e Regina Orth de Aragão, material gentilmente cedido pelas autoras antes de sua publicação. [ix] Victor Guerra, “Formas de (de)subjetivação infantil em tempos de aceleração: os transtornos da subjetivação arcaica” In: Regina O. de Aragão e Silvia Zornig (orgs.). Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê. São Paulo: Escuta, 2018, pp.187-188.
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