SURGE O PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA ENSEJO – MEU DEPOIMENTO [i]
MIRIAM CHNAIDERMAN [ii]
Conheci a Clínica e Livraria Dimensão em 2003. Eli Antônio Cury me convidara para uma palestra. Foi a primeira vez que vim a trabalho para Goiânia. A alegria com que fui recebida, o aconchego, a curiosidade, tudo me comoveu. Lembro de minha primeira conversa com Eli, de seu encantamento com o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, de sua admiração por minha mãe, Regina Schnaiderman. Conhecia profundamente a história que levara o Departamento a nascer e sabia dos avatares políticos da história da psicanálise no Brasil. Naquele momento, queria saber se não existiria algum jeito de pensar em uma formação que fosse vinculada ao Sedes e pudesse acontecer em Goiânia. Pediu-me também nomes de psicanalistas que pudesse convidar. Coincidentemente, estava sendo gestado o GTEP, grupo do Departamento que busca congregar pessoas disponíveis para oferecer formação pelo Brasil afora. Foi a partir dessa conversa que a Clínica Dimensão e o GTEP iniciaram uma formação que se estende até hoje. Uma união fecunda, que tem gerado toda uma nova geração de psicanalistas em Goiânia. Também como fruto de nossa conversa, importantes psicanalistas foram convidados, entre eles, Emílio Rodrigué, de quem Eli fala com carinho e saudade.
Em 2010 Iranildes e Eli voltam a me contatar, propondo que eu ministrasse um novo curso, tendo como foco Psicanálise e Cultura. A proposta era de que eu fosse na sexta-feira para ministrar uma palestra mais aberta e que, depois, passasse o sábado com um grupo de trabalho. Assim é que, em 2011, passei a ir uma vez por mês a Goiânia, durante três anos. Fizemos todo o percurso pelo Freud, pensador da cultura e da arte, vimos importantes filmes juntos, lemos Joyce e Guimarães Rosa, passando pelos concretistas. E passeamos pelos mercados, conheci a Goiânia dos artesanatos e iguarias. Eli e Iranildes sabem receber e cuidaram de mim com um carinho e um calor humano raros. Foi então que Eli me falou do sonho de lançar uma revista que mergulhasse na relação psicanálise e cultura. Parte do trabalho do sábado foi, então, ocupado na criação do que viria a ser a Ensejo. Éramos sete ou oito e todos sonhamos juntos. Para chegar ao nome da revista, Ensejo, o processo foi longo. Vários nomes surgiam... Era imensa a responsabilidade. Até mesmo Reinaldo Pinheiro, meu parceiro, que havia já feito publicidade, foi consultado... Ensejo foi o nome sugerido por uma das participantes, a Beatriz. Ensejo / desejo / oportunidade / movimento. Ficou Ensejo. Depois, enquanto os integrantes desse espaço de trabalho pensavam no que escrever e como publicar, Eli me trouxe a outra novidade: sonhava em dedicar esse primeiro número à minha mãe. Pedia que eu coordenasse e orientasse. Foi por insistência de Eli e Iranildes que me pus a campo, pedindo para todos que haviam convivido com minha mãe que escrevessem. Não pude deixar de lembrar que Jacó Guinsburg, logo depois da morte da minha mãe, pediu que eu fizesse um livro. Naquele momento, eu não consegui. A dor ainda me cortava e procurava reunir forças para elaborar o vazio deixado. A vida que seguia e me demandava: meu pai casou com Jerusa Pires Ferreira, meu irmão casou com a Celeste e teve mais dois filhos, Beatriz e Lucas. Jonas, filho de Carlos que hoje mora no Chile, e Luana, minha filha, foram os netos que Regina conheceu. Os dois cresciam e Luana vivia sua adolescência. Meu parceiro Salinas morreu repentinamente dois anos depois. E, dois anos depois eu encontrei Reinaldo, meu companheiro, que divide comigo, na vida, as empreitadas pelo cinema e escrita.
Agora, 33 anos passados, ressurge, via Goiânia/ Clínica Dimensão, a ideia de uma publicação que homenageia minha mãe. Amparada por Eli, Iranildes e meu companheiro Reinaldo, tudo ficou mais possível.
Contatei amigos, colegas, revolvi dentro de mim toda minha história e a história da psicanálise em São Paulo e no Brasil. Fui atrás de artigos publicados na época, procurei, sem encontrar, textos inéditos. Reunimo-nos, nosso antigo grupo que iniciou suas leituras de Freud nos primórdios dos anos 70 no famoso seminário de sábado com Regina. Falamos de nossa história. Muitos filhos, meus irmãos, aqui deram depoimentos. Os componentes do grupo inicial dos sábados, ainda nos anos 60, aqui falam. Entre Europa e Brasil, todos aqui se fizeram presentes. Histórias duras de exílio e de encontro de novas famílias aqui no Brasil. Minha mãe sabia receber e acolher. Sua hospitalidade e generosidade nos marcou.
Em maio de 2016, meu pai morreu, aos 99 anos. Deixou aqui um singelo depoimento sobre minha mãe. Sua morte só deixou ainda mais evidente a necessidade de contar a história de toda uma geração.... Geração que viveu a ditadura de Getúlio Vargas, depois a ditadura civil-militar de 1964, uma geração que viveu intensamente o sonho de um mundo melhor. E que, por isso mesmo, criou e produziu de modo único. Foram todos disruptores na crença no amor e na solidariedade. Espero que os textos aqui presentes possam transmitir algo disso tudo. Minha gratidão a todos que se prontificaram a participar e partilhar essa homenagem à minha mãe, Regina Schnaiderman.
[i] Artigo publicado na revista Ensejo lançada em outubro no Departamento.
[ii] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.