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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    57 Novembro 2020  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

SUICÍDIO E PANDEMIA – AO FALAR SOBRE SUICÍDIO, ESTARÍAMOS A FALAR TAMBÉM SOBRE UMA PANDEMIA? PREVENÇÃO E POSVENÇÃO: UMA LUTA CONSTANTE E NECESSÁRIA


M. CRISTINA PETRY [1]



Vivemos numa época de grandes impactos ocasionados pela pandemia do Coronavírus em que muitas pessoas – do mundo inteiro – ficaram confinadas à espera de uma vacina eficaz que possa protegê-las. Entretanto sofreram - e ainda sofrem - toda uma série de consequências desse isolamento, sem saberem ainda como enfrentar esse inimigo invisível de modo confiável.

Chegamos, no final de setembro, à marca de 1.000.000 de mortos no mundo pelo Covid-19 – transcorridos apenas 9 meses após o primeiro registro oficial, em 11 de janeiro, e 7 meses após a OMS – Organização Mundial de Saúde declarar Pandemia[2] . Também é de nos surpreender e alertar a marca anual de mais de 1.000.000 de suicídios no mundo, sendo registrados cerca de 12 mil (suicídios) todos os anos só no Brasil. Conforme dados da própria OMS, a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida.

Nesses tempos de angústia em que vivemos, medo, depressão, abalos emocionais e/ou transtornos mentais atingem grande parte da população mundial. A sensação de desamparo e a falta de perspectivas estão entre as possíveis causas do adoecimento psíquico. O desespero e a impulsividade que se apresentam nas mais variadas camadas sociais podem acabar em investidas contra a vida.

É visível o aumento do atendimento a casos de tentativas e de suicídios consumados no Brasil durante essa pandemia, segundo avaliação dos socorristas do SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (192).

Setembro terminou e, embora já passado o seu dia 10 – Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, essa campanha Setembro Amarelo – criada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e assumida também pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) – acontece durante todo ano através de uma série de ações informativas. As diretrizes desenvolvidas em 2017 nos fornecem orientações fundamentais para a reflexão e a prevenção do suicídio [3].

“É preciso agir”; “Falar é a melhor solução”; “Todos pela vida”; são exemplos de frases marcantes veiculadas por essas instituições, sendo que o CVV – ONG fundada em 1962 para atuar no apoio emocional e na prevenção do suicídio – segue no atendimento pelo telefone de alcance nacional (Disque 188).

Porém, apesar disso, pouco se conversa a respeito do suicídio ainda hoje, como se se tratasse de um tabu até mesmo por receio de que, em se falando nisso, pudéssemos “dar a ideia” aos desesperançosos pela vida. E, até o momento, pouco se debate também sobre a necessidade da posvenção voltada aos amigos e parentes enlutados que sofrem traumatizados por conta do impacto causado pelo suicídio da pessoa que lhe era próxima.

Diferente da antiga cultura japonesa – em que os pilotos de aviões chamados kamikazes praticavam os ataques suicidas contra navios na Segunda Guerra e o haraquíri (suicídio em japonês) era visto como uma saída honrosa para o fracasso -, o assassinato contra si é visto na cultura judaica como ato pecaminoso e, em nossa cultura ocidental, o suicídio é encarado como um ato vergonhoso e discriminatório. Familiares e amigos chegam a sofrer, por anos, sentimentos de raiva, culpa e/ou de impotência frente à impossibilidade de terem evitado o ato cometido.

Portanto, é de suma importância seguirmos cuidando da preservação da saúde mental, visto que questões multifatoriais – sociais, políticas, econômicas, religiosas – sobretudo as fragilidades emocionais estão entre as possíveis causas.

Afetos como angústia e sentimento de culpa, ansiedade, depressão, estados emocionais limites como bipolaridade, abuso de álcool e drogas, esquizofrenia, paranoia, questões como desemprego, desestabilização financeira repentina, perdas e lutos reais ou simbólicos, conflitos de identificação e gênero, comportamentos impulsivos, extrema necessidade em agradar e corresponder às expectativas do Outro, enfim, tudo o que envolve a categoria do insuportável pode servir de possível motivação e denúncia para o ato suicida.

Embora seja muito difícil saber os reais motivos que levaram as pessoas a consumarem o ato, vez que a verdade fica enterrada com quem se foi, podemos estar atentos a esses sinais e pontos de risco como medida de prevenção: perda de pessoas queridas, estresse pós traumático, abusos na infância, questões de personalidade (agressividade, impulsividade...). E devemos acolher, cuidar e dar um destino à dor de quem fica, como atitude de posvenção, sempre voltada para uma escuta acolhedora onde a presença e disponibilidade de amigos e parceiros na dor ajudam a dar suporte a uma existência vulnerável, sofrida e fragmentada.

Nesse sentido, desenvolvemos junto ao NAS – Núcleo de Assistência Social do Instituto Sedes Sapientiae - um trabalho, dentre outros, interdepartamental e transinstitucional, bastante comprometido e ético, que é gratuito e complementar aos de atendimentos voltados à Saúde Mental. Trata-se do Projeto de acolhimento aos enlutados por suicídio, em que promovemos encontros mensais de acolhimento, atualmente na forma on line, recebendo esses enlutados a fim de proporcionarmos a eles um espaço de pertencimento onde possam falar – sem serem julgados, nem criticados – sobre o seu luto, suas dores, saudades, enfim, sobre a convivência que tiveram junto aos seres amados que partiram de maneira tão trágica. O contato inicial com esse grupo de acolhimento é feito pelo e-mail: nas@sedes.org.br

Por que Setembro – Por que Amarelo – Por que falar em suicídio?

Foi no mês de setembro que Mike Emme, jovem americano de apenas 17 anos, possuidor de um Mustang amarelo, cometeu suicídio, em 1994, logo após o restauro que ele próprio realizou em seu carro. No velório, a família – que não havia percebido que o jovem estava com problemas psicológicos, e portanto, não conseguiu evitar sua morte – distribuiu fitas amarelas em sua homenagem com os dizeres: “Se você precisar, peça ajuda”. A partir de então começaram as campanhas de prevenção, sendo utilizadas, como símbolo, fitas amarelas em sinal de esperança de que as pessoas pudessem falar sobre os seus sofrimentos e serem acolhidas na sua dor, evitando-se assim esses atos de desespero[4].

Para cada necessidade de falar, existe ao menos um desejo legítimo de escutar. Portanto, fica a mensagem de quão imperioso deve ser o encaminhamento de pessoas que se encontram em grande sofrimento psíquico para o atendimento especializado – caso elas mesmas não consigam buscar ajuda – a fim de que possam compreender que existem outras maneiras de acabar com o sofrimento que não seja a de acabar com a própria vida.





[1] Psicóloga clínica, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae onde é membro do Conselho de Direção - gestão 2019/2020. Co-coordenadora do Projeto Enlutados por suicídio no NAS – Núcleo de Assistência Social desse mesmo Instituto, com percurso em atendimento às pessoas com ideação suicida pelo CVV – Centro de Valorização da Vida.

[2] Folha de São Paulo – 29/9/2020 – A1 – Coronavírus já matou 1.000.000 no mundo.

[3] BEECORP – Bem Estar Corporativo – Blog – Qualidade de Vida – Setembro amarelo.

[4] Origem do Setembro Amarelo: como surgiu o movimento de prevenção ao suicídio -https://gntech.med.br




 
 
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