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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    27 Novembro 2013  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

IMAGENS IMPROVÁVEIS, IMAGENS IMPENSÁVEIS: PRESENÇAS NO MUNDO


CARLOS LIVIERES
CARMEN ALVAREZ DA COSTA CARVALHO [1]



Afetados pelas impressões produzidas pela XII Jornada do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos – EBEP [2], partilhamos com os colegas algumas divagações sobre o tema e sobre alguns dos trabalhos apresentados.

Nosso cotidiano é constantemente invadido por cenas que falam do registro de toda e qualquer experiência - das mais banais às mais originais -, como se estivéssemos submetidos a um imperativo da captura das imagens no lugar da experiência vivida, como se o registro das imagens funcionasse como garantia da experiência, de tal forma que se não registro e submeto a imagem ao olhar do outro, não há apropriação do acontecimento vivido. Cenas dentro da cena, em ato, sobreposição de imagens que indicam a suspensão do acontecimento em si, mirando outra cena.

Nessa paisagem, vemos um sujeito em ação no instante do acontecimento com a legenda Direto de - Ao Vivo, uma produção de imagens replicadas e endereçadas a um outro olhar. Poderíamos dizer, com Birman, que há na atualidade uma importante fragilidade nos processos simbólicos de reconhecimento e que, portanto, atrair o olhar do outro estaria na direção de adquirir alguma certeza de existir.

Instigante paradoxo: se, por um lado, há excesso na intensidade das imagens, por outro há a ausência ou fragilidade de um corpo/suporte para que a representação possa se fazer imagem.

Uma certa dualidade entre excesso/ausência–fragilidade esteve presente em vários trabalhos como Individualismo, trauma e criação, de Eliana Reis -EBEP-RJ, que se apóia no conceito ferencziano de trauma/catástrofe, catástrofe como trauma, para pensar a crise. Palavra que carrega em si a duplicidade de sentidos, ao mesmo tempo abertura e fechamento, abertura como possibilidade de criação do novo. Eliana apresentou a ideia de arquivo/cofre, “a vida como um cofre aberto - forças humanas em comunicação” e propôs metabolizar a catástrofe no processo analítico.

Em Leituras de Derrida: o teletecnológico como intrínseco na produção do sujeito, Liane Pessin - EBEP-RS trabalhou com a ideia de arquivo e mal de arquivo, ferramentas conceituais para pensar como os processos de subjetivação são afetados e produzidos pelas teletecnologias. Apontou o domínio da forma na atualidade e os efeitos de apropriação e desapropriação a que estaríamos submetidos. Problematizou o que seria o específico hoje da teletecnologia nas teles - captura do vivo à distância, imediatez da imagem em contraposição à afirmação de que a imagem direta não é fiel, ela é produzida, o direto absoluto não existe. Trabalhou a origem da palavra arquivo como retorno à casa, à origem, no limite como uma aproximação com o conceito de pulsão de morte.

Em Destinos entrelaçados: corpo e imagem na fotografia contemporânea, Maurício Lissovsky, historiador da Escola de Comunicação da UFRJ, nos remeteu aos diferentes lugares que a fotografia ocupou desde os anos 30, da fotografia documental à oposição entre foto e pintura sem a presença da escrita, aos anos 60, quando tudo foi transformado em imagem, até a atualidade, na qual afirma o risco do desaparecimento do problema entre mundo e imagem. Maurício sustentou o caráter de tensão sempre presente entre o virtual e o real, e da imagem como texto. Reconhece na sua própria experiência o processo dolorido da perda do corpo das imagens, o que fala de uma imagem sem corpo - substância imaterial, como se um certo esquecimento do corpo nas imagens digitais produzisse um corpo morto ou imagens à procura de um corpo. Corpo, promessa de corpo sempre presente em toda imagem. Na fotografia analógica o suporte de película é original; na fotografia digital não há armazenamento de imagens, não existe em lugar nenhum, o suporte é autônomo. Numa analogia entre a exuberante exibição dos corpos tatuados e imagens digitais sem corpo, imaginou as imagens flanando à procura de corpos, à procura de matéria para se fazer imagem, portanto os corpos humanos como suportes para materializar a imagem.

A partir de trabalhos de Sofia Borges, Rosângela Rennó, Gustavo Germano e Cia de Foto, em As tais fotografias: origens e destinos da imagem na arte contemporânea, Andrea Masagão, Gustavo Dionísio e Sílvia Nogueira, do EBEP/SP, destacaram o valor de articulação entre arte e clínica a fim de pensar possibilidades de subjetivação apontadas pela recriação de determinadas funções da imagem: intervalo, artifício, limiar e ressurgência. A mostra Ausências, de Gustavo Germano, convoca o olhar de maneira forte, direta e ao mesmo tempo com muita simplicidade ao tratar da dimensão da perda que envolve os desaparecidos e assassinados durante a ditadura militar na Argentina. Trata-se de imagens que compõem uma série de dípticos: entre cada par dessas imagens há uma lacuna temporal de trinta anos, imagens que pela ausência mostram a presença da memória da história e o vazio como intervalo necessário entre os corpos. Na série Retiro, o coletivo Cia de Foto trata e retrata imagens antigas do bairro do Bom Retiro, usando o apagamento como recurso de recriação. De tal forma questionam a memória, a história, o novo e o antigo compondo imagens ressurgentes, que habitam o limiar entre o passado e o presente, entre o vivo e o morto...

Em Corpo e imagens na cidade midiática, José Ferrão (Comunicação /UERJ) abordou a relação do corpo com a técnica e a cidade como ficção, paisagem como ação urbana no território, mobilidade e imobilidade no espaço das cidades. Discutiu a memória oralizada brasileira como um traço da nossa cultura, entendendo a oralidade considerada além da fala; nos primeiros anos da colonização a sociedade se dividia entre, de um lado, a elite letrada e, do outro lado, os incultos; até o início do séc. XIX a impressão era proibida. Por fim, em Espelho, Espelho meu, existe alguém mais belo do que eu? Joel Birman - EBEP/RJ – discorreu sobre o tema da naturalização da arrogância na atualidade e sua relação com a corrupção econômica, ética e política.

O que podemos ressaltar de mais interessante nesta jornada foi que o conjunto dos trabalhos acabou propondo uma nova posição frente à questão da imagem na clínica. Apesar de detectar uma mudança em curso na presença das imagens no nosso cotidiano, não precisamos adotar certa posição catastrofista na qual a imagem é vinculada a um registro inferior, limitada ou faltante. Temos que nos preocupar sim com a desmedida, mas atentar para as possibilidades criativas e portanto, transformadoras, que podem surgir.


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[1] Psicanalistas. Ex-alunos do Curso de Psicanálise do Departamento, membros do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo.

[2] Link: http://www.ebep.org.br/?page_id=2404



 
 
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