THIAGO P. MAJOLO[1]
As coisas que são necessárias aprender antes de fazê-las,
é fazendo que aprendemo-las.
Aristóteles. Ética a Nicômaco.
Assim como o número 55 da revista Percurso, o seu debate, promovido no dia 5 de novembro, voltou sua discussão para os grandes temas do tempo, da narração e da política. Contando com a presença de alguns autores de artigos e resenhas, e também com parte do corpo editorial da revista e de interessados no debate, de pronto a palavra foi levada para o campo político, intrínseco à clínica psicanalítica.
Novamente as ideias e proposições de Maria Ângela Santa Cruz, a quem a Percurso homenageou postumamente com um artigo que abria a revista, tomaram lugar no debate, levando os presentes à importante discussão sobre a história, a prática e o projeto da Clínica Social do Sedes. A questão, fundamental e atual, principalmente frente às demandas sócio-políticas de nosso país, continua merecendo debates entre todos os envolvidos nesse projeto, membros, aspirantes e alunos que se engajam na prática psicanalítica dentro dos projetos da Clínica.
Como não poderia ser diferente, dentro desse debate, fomos levados a percorrer outros artigos da revista, que tratavam das questões metapsicológicas concernentes aos atendimentos e aos cuidados primários essenciais para a formação dos sujeitos. Quem cuidará dos nossos bebês – como propunha a sessão Debates da revista – e como cuidaremos das pessoas que chegam aos nossos consultórios e às instituições de Saúde Mental? Se vivemos sob a égide de um tempo que busca negar, anular e padronizar as narrativas e suas modulações afetivas tão singulares, qual seria a função e o trabalho de nossas teoria e prática como resistência e como proposição de um olhar diferenciado no corpo social?
Assim, para escutar os sujeitos de nossos tempos, ao longo de sua história a psicanálise tem recriado e revolucionado suas grades teóricas. À medida em que ampliamos e refinamos o gradiente com o qual trabalhamos, faz-se justa a colocação, levantada durante o debate, que atentemos novamente para a questão diagnóstica e que possamos continuamente fazer trabalhar os conceitos, acolhendo diferentes visões e linhas de pensamento sem jamais demolir a estrutura de nosso edifício antes de erguer novos pilares consistentes. O risco de não nos determos minuciosamente na epistemologia e na genealogia de cada conceito é o de perdermos a relevante posição da psicanálise como pensamento cultural e como prática clínica, o que nos tornaria surdos e mudos frente às demandas subjetivas.
O dispositivo do debate da Percurso, com seu caráter aberto, e tocado por uma bem-vinda informalidade, abre espaço para esses questionamentos, dando palavra a todos que pensam o seu fazer psicanalítico. Está calcado naquilo que acreditamos como dispositivo grupal, permeado pelas transferências múltiplas de trabalho, dando forma à constituição de um corpo de pensamento não unívoco, mas dissonante em si mesmo, cuja transitoriedade não desqualifica sua potência. Pelo contrário, como nos disse Freud, é o caráter transitório que pode elevar o valor da criação. Haveremos de construir e reconstruir sobre o mesmo chão, de forma solidária, provocativa e nunca padronizada, o nosso saber psicanalítico.
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[1] Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Mestre em História Social pela USP, membro do Grupo Acesso: estudos, intervenções e pesquisa sobre adoção da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae e membro da comissão de Debates da Revista Percurso.