ANDRÉA PAES FAVALLI[1]
BRUNO ESPOSITO[2]
No dia cinco de julho de 2017, a Clínica do Sedes realizou o VII Fórum Clínico Ampliado com uma roda de conversa em torno do tema: Tentativa de suicídio na adolescência, suas implicações no campo social, cultural e suas reverberações nos atendimentos nesta Clínica com a interlocução de parte da equipe do Programa de Adolescentes do CRIA (Centro de Referência da Infância e da Adolescência da UNIFESP).
A Clínica do Instituto Sedes sistematicamente se interroga sobre sua prática clínica e institucional através de espaços reflexivos instituídos. As reuniões em Fóruns Clínicos acontecem semestralmente e incluem a participação de terapeutas contratados, supervisores, representantes de Cursos na Clínica, voluntários, terapeutas de Projetos e equipe da secretaria da Clínica. Seguimos a premissa de um fazer clínico norteado pelo Projeto clínico-ético-político, que considera o processo de discussão coletiva fundamental para a construção de novos saberes.
No atendimento com adolescentes, trabalhamos clinicamente visando à criação de novos espaços-tempo para que adolescentes e jovens possam ser escutados, principalmente através do dispositivo grupo terapêutico. Além de direcionar o acompanhamento clínico direto com adolescentes e jovens, essa escuta também indica a direção de eventuais intervenções junto aos agentes sociais – familiares, escolares, jurídicos, assistenciais.
Numa reunião da equipe de terapeutas contratados da Clínica, ao analisar dados sobre a porta de entrada a novos pacientes, constatamos que nos últimos meses (abril, maio e junho) o número de ligações e pedidos de atendimentos na Clínica aumentou na faixa etária entre 11 a 18 anos. Chamou-nos a atenção os casos em que eram mencionadas, pelas famílias e pelos próprios jovens, tentativas de suicídio como motivo da procura. Tomamos como base desta discussão alguns analisadores para além da clínica e consideramos o impacto deste tema, amplamente discutido pela mídia e redes sociais, a partir de um seriado americano que trata, entre outros temas, do suicídio de uma jovem e de um jogo de internet que incita a automutilação e o suicídio. Decidimos colocar uma lupa neste assunto e ampliar a discussão.
Como interlocutores, Bruno Espósito (psicólogo e psicanalista) e Natália Rufino (psiquiatra e psicanalista) participaram representando o CRIA-UNIFESP. As equipes do Sedes e do CRIA já haviam estabelecido parcerias anteriores, tanto pelo diálogo acerca dos modelos de atendimento à adolescência, como pelo compartilhamento de casos específicos entre as instituições.
Desta vez, foram selecionadas três vinhetas clínicas como disparadores da discussão. A primeira vinheta abriu um rico diálogo sobre o manejo de grupo de adolescentes na intersecção dos encontros reais (grupos presenciais) e virtuais (grupos de WhatsApp). Qual é o lugar, hoje, que o analista coordenador de grupos pode ocupar frente a estes adolescentes? Diante das perspectivas de crise e de risco, mas também da necessidade dos jovens criarem espaços horizontais mais reservados, como calcular o lugar que se dá à família no tratamento?
A segunda vinheta trazia um adolescente com um nível de angústia transbordante, pensamentos suicidas muito presentes, com questões acerca do seu lugar na família afligindo-o desde a infância; sua postura era bastante desesperançosa em relação ao tratamento, promovendo um tremendo mal-estar na transferência e, portanto, fazendo do compartilhar uma tarefa imprescindível na condução do caso. O jovem está em acompanhamento psiquiátrico e os avós participaram do grupo de atendimento de pais de jovens. O pensar junto levou os participantes do Encontro a proporem novas estratégias para o caso, tais como o Acompanhamento Terapêutico (AT), que ativou tanto uma nova escuta quanto uma busca do paciente de se apresentar vivaz: em seu quarto, muito ligado a determinadas produções cinematográficas e aos jogos eletrônicos – os quais representavam algum espaço de relação possível.
Por fim, a terceira vinheta pôde exemplificar muito bem as características daqueles adolescentes que, cada vez mais, ferem o próprio corpo ou tentam suicidar-se. Habitados por uma experiência de vazio e inconsistência egóica, colocados frente a uma confusão de papeis na família, vão do “está tudo bem” ao acting out muito rapidamente, perturbando o setting tradicional e os próprios processos e fluxos institucionais. Compartilhamos o mal-estar diante de tamanhas oscilações: da urgência absoluta ao tédio da narrativa do jovem e seus familiares, como se a demanda de tratamento se esvaísse abruptamente, exigindo manejos específicos das equipes clínicas. A escuta singularizante desde o primeiro contato com a Clínica pode fazer a diferença para pedidos de atendimento como este.
O encontro permitiu uma troca intensa com múltiplos olhares e abordagens. A construção de uma rede de atenção e reflexão (interna e externa) potencializa os recursos. Certamente a ampliação da discussão torna-se fundamental para a sustentação e acompanhamento deste tipo de situação clínica.
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[1] Psicanalista, Terapeuta Contratada da Clínica do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, psicólogo do CRIA-UNIFESP.