M. Cristina Petry [1]
Estivemos reunidos em 13 de novembro de 2020 para o que foi a 4ª apresentação pública de caso clínico no Departamento de Psicanálise através do modelo online, única forma possível encontrada para darmos prosseguimento aos trabalhos da Comissão de Admissão, nesses tempos de pandemia da Covid-19.
No intuito de prosseguirmos com a nossa política de abertura de pertencimento para pessoas que vêm de outros percursos formativos, a admissão de Marisa Corrêa da Silva nos permite ampliar a interlocução – o que certamente contribui para a produção teórico-clínica psicanalítica.
Um aspecto interessante que Marisa Corrêa nos contou é que, durante os seus estudos iniciais, ao invés de fazer o curso normal e ser professora, como a grande maioria das mulheres de sua família, desde cedo já tinha o desejo de seguir para o curso de medicina vez que já se preocupava com questões da alma e do corpo humano. Com isso, carregou a marca de um professor que falou – a um aluno que brincava com um esqueleto de plástico – que todo ser humano deve respeitar e valorizar outro ser humano, mesmo depois da morte. E assim Marisa seguiu por uma Medicina não estritamente organicista, enxergando o ser humano como um todo, complexo e diversificado.
Marisa graduou-se em Medicina em 1979 pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro - recebendo o título de Fisiatra em 1982, quando passou a trabalhar como concursada pelo INAMPS em Reabilitação Profissional e também em consultório.
Desenvolveu Projeto de Pesquisa Teórico-Prático de Doutoramento no Laboratório de Biomecânica da Universidade Livre de Berlim onde publicou dois trabalhos em conjunto com colegas.
Tornou-se Médica Assistente fazendo residência na especialidade de Psiquiatria, Psicoterapia e Medicina Psicossomática obtendo o título de Psiquiatra e Psicoterapeuta.
O título de Psicanalista obteve pelo Instituto Psicanalítico de Berlim, onde fez sua formação – entre 1996 e 2004 – e de onde se tornou membro.
Foi portanto em Berlim, como Médica Psiquiatra, Psicoterapeuta e Psicanalista, membro da Sociedade Alemã de Psiquiatria e Psicoterapia Psicossomática e Neurologia que atuou em consultório, naqueles anos.
A partir de 2005, já em São Paulo, reassumiu o cargo no INSS trabalhando como Perita até 2019 e segue em consultório e Clínica Social no Instituto de Análise Bioenergética.
Membro do Instituto AMMA – Psiquê e Negritude entre 2006 a 2015, continua como colaboradora. Também já proferiu algumas palestras em diversas outras instituições.
Sua inserção no Departamento de Psicanálise se deu através do grupo de trabalho e pesquisa: A cor do mal-estar. Grupo esse que ajudou a idealizar na Incubadora de Ideias pensando desde sua origem o racismo como constituição traumática.
O caso clínico com o qual Marisa nos agraciou naquela noite foi por ela denominado O choro adquirindo forma – em que descreve uma analisanda em trabalho analítico dentro de um quadro de depressão com complexo comprometimento estrutural e funcional. Segundo Marisa, o aprofundamento psicodinâmico do processo descortina um traumático não representado, a introjeção de uma relação objetal insuficiente e inconstante, com consequente prejuízo da individuação.
Marisa, na relação transferencial estabelecida desde o início com sua analisanda, prioriza a contratransferência como manejo nesse seu trabalho. Dentre as suas referências teóricas cita M. Klein ao falar sobre os mecanismos de defesa da paciente; Bion - Teoria das relações objetais e o Containment (como função alfa das primeiras experiências relacionais e vinculativa na díade mãe-bebê); Winnicott e sua conceituação de Holding e, como não poderia deixar de ser, baseia-se em Freud e sua Teoria das pulsões.
Trata-se de um olhar voltado para uma analisanda bastante fragilizada que chegou numa situação de desamparo emocional. Percebe-se, pelo relato, que após alguns anos ela veio a se fortalecer e a lidar com seus aspectos depressivos, podendo, mais recentemente, se abrir para novas possibilidades. Deverá prosseguir em análise, ainda por um bom tempo, agora através de setting virtual.
O diálogo estabelecido entre os participantes da noite e Marisa foi bem interessante e o clima de boas-vindas, como sempre, bastante festejado.
SOBRE A APRESENTAÇÃO DE RICARDO GOMIDES
SOLANGE MARIA SANTOS OLIVEIRA [2]
Ricardo Gomides, aspirante a membro, realizou sua primeira atividade como membro de nosso Departamento de Psicanálise em 06/11/2020, apresentando seu trabalho clínico:
Cinco anos em análise: a passagem do falso self
aos desafios de uma vida própria. Foi por meio da Literatura que Ricardo conheceu a Psicanálise, marca presente no caso que nos apresentou. Foi seu professor de literatura quem primeiro lhe falou de Freud, comentando a possibilidade interpretativa de
Dom Casmurro, em sua vinculação edípica com a mãe e Capitu.
Terminou o curso de psicologia em 2000 na Universidade Federal de Uberlândia, cidade em que nasceu. Durante a graduação foram experiências fundamentais o acompanhamento terapêutico e a luta antimanicomial. Os estudos sobre Freud realizados com os colegas e a teoria dos campos de Fabio Herrmann foram marcas da sua iniciação teórica - o que permitiu posteriormente a formulação de seus projetos de pesquisa. No mestrado, em 2003, tratou da possibilidade de uma clínica psicanalítica com pacientes psicóticos por meio de oficinas terapêuticas; e no doutorado, em 2009, abordou a investigação da clínica extensa no acompanhamento terapêutico. O interesse por essas temáticas fez com que se mudasse para São Paulo, para realizar o desejo de conhecer outra realidade, ampliar o seu mundo da Psicanálise.
Literatura, Psicologia, Acompanhamento Terapêutico, Consultório, Pesquisa e Ensino acadêmico sempre estiveram imbrincados na sua formação. Em 2014, deixando de lado a aspiração de uma carreira acadêmica, centrou seus interesses na formação psicanalítica e na prática clínica e ingressou no curso de Psicanálise do nosso Departamento.
Em sua apresentação pública
online, contou com a participação dos pares que marcaram sua formação, assim como de diversos colegas do Departamento. A forma generosa de mostrar sua clínica suscitou calorosa e ampla discussão, que passou pelas questões transferenciais e suas implicações na construção do
setting analítico até as da constituição de sujeito.
SOBRE A APRESENTAÇÃO DE GLAUCIA FARIA
SOLANGE MARIA SANTOS OLIVEIRA [3]
Glaucia Faria, ex-aluna do Curso de Psicanálise, realizou sua primeira atividade como membro de nosso Departamento em 27/11/2020, apresentando seu trabalho clínico: O pensamento clínico e o manejo psicanalítico em um caso institucional.
O atual momento político torna muito importante poder contar as histórias das pessoas. Pensando que é na história pessoal que se enredam os sinais do psicanalista que seremos, vou apresentar um pequeno recorte do percurso de Glaucia.
Formou-se em Psicologia pela PUC-SP em 1991, um ano depois que seu pai se formou em Direito na mesma Universidade. Este fato aponta para a cultura de origem da sua família. Seus avós foram trabalhadores rurais, imigrantes. Como trabalhadores, a luta pela vida sempre foi o principal valor. Luta, sobrevivência e... luta.
Naquela época, a psicologia individual e particular era alvo de todos os seus preconceitos e críticas. A psicanálise era algo desconhecido, mas logo dela se aproximou pela experiência da análise pessoal.
Entre estágios curriculares e não curriculares, queria experimentar, observar, sentir, saber na prática. Uma marca de suas intervenções era o fazer interrogando o saber.
Em 2001 iniciou o curso de Psicanálise no Departamento. Aprendeu ler Freud com nossos colegas, os diversos professores do nosso curso.
Em 2008, defendeu no IPUSP o seu mestrado com o tema Gravidez: regressão e movimentos representacionais na perspectiva de Freud e Winnicott.
Em 2012 defendeu o doutorado, com o tema: Um estudo sobre as funções da tatuagem e a Identificação à luz da psicanálise freudiana.
Neste período participou de uma parceria do IPUSP com a Universidade Rennes II, na França, em uma pesquisa sobre Marcas corporais auto infligidas, com a perspectiva de abordar a relação corpo-psiquismo através da psicanálise.
Retornando ao Brasil reabriu o consultório e foi trabalhar no Hospital Infantil Sabará.
“Pouco antes de começar o trabalho no hospital, reconheci que a marca que me fez sustentar todo um universo de referências novas passa pelo enigma do corpo. Pois bem, meu corpo tomou forma e se constituiu na trajetória que costurei com minhas decisões. A necessidade inicial de viver na pele foi pouco a pouco e simultaneamente constituindo uma superfície simbólica para experiências intensas, forjadas na carne . ... Tenho certeza de que um arremate fundamental foi dado quando cheguei ao Sabará”. São as palavras de Glaucia retiradas do Memorial entregue à Comissão de Admissão, que também enunciam a escolha do caso apresentado.
Atualmente são os seus planos de clinicar, pesquisar, produzir conhecimento, transmitir e compartilhar a Psicanálise que a trazem até esse Departamento.
Em sua apresentação pública online, pudemos compartilhar um profícuo momento de troca institucional. Foi um encontro permeado pelo acolhimento da mobilização afetiva gerada por uma apresentação sensível, de um caso delicado e complexo que, para sua sustentação, contou com uma intrincada equipe de atenção. A marcante presença dos profissionais do Hospital Sabará, no evento, propiciou uma discussão em clima de generosidade e respeito profissional, além de enunciar o lugar que Glaucia e a psicanálise ocupam naquela equipe. Nessa apresentação pudemos retomar a importância da clínica institucional na história do Departamento de Psicanálise e a discussão do lugar do analista no seu manejo.
[1] Psicóloga clínica e Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae onde participa do
Projeto de pesquisa e clínica psicanalítica dasProblemáticas Alimentares na Clínica Psicológica, do
Grupo de Acolhimento aos Enlutados por Suicídio e do
Projeto Farol: migrantes e refugiados, ambos no Núcleo de Atendimento Social (NAS). Integra ainda os
Grupos de leitura e pesquisa: Famílias no Século XXI e Articulações teórico-clínicas Freud e Lacan. Segue como articuladora da área de Relações Internas no Conselho de Direção – gestão 2021-2023.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[3] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.