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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    43 Setembro 2017  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

TRANSMISSÃO E DEVIR: A FUNDAÇÃO DO DEPARTAMENTO DE PSICOSSOMÁTICA PSICANALÍTICA


CRISTIANE CURI ABUD
ALINE EUGENIA CAMARGO[1]


No dia 17 de maio de 2017 nasceu o Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae, uma associação psicanalítica que se propõe às tarefas da transmissão da psicanálise, da pesquisa e da assistência. Sua fundação foi muito aguardada pelos ex-alunos e colegas com quem mantemos forte interlocução ao longo dos anos através dos encontros teórico-clínicos, simpósios e jornadas clínicas.

Retomando nossa história, as tarefas da transmissão e da pesquisa já vêm sendo cumpridas desde a criação do curso de Formação de Psicossomática Psicanalítica – corpo e clínica contemporânea, especialização oferecida pelo Instituto Sedes Sapientiae, há 25 anos. Os professores do curso construíram uma ampla produção científica sob a forma de simpósios, livros, participação em congressos, e já realizavam ao longo desses anos diversos intercâmbios no Instituto com outros cursos, departamentos e com a sua Clínica Psicológica.

Em 2000, um grupo de colegas fundou o Projeto de Atendimento e Pesquisa em Psicossomática Psicanalítica, voltado ao atendimento de casos de grande complexidade psicossomática da Clínica do Sedes. Além de cumprir a tarefa da assistência, o Projeto produz também pesquisas e produção científica apresentadas em jornadas e publicações.

E em 2002, o curso de Expansão Cultural Introdução à Psicossomática Psicanalítica foi criado para apresentar a psicossomática psicanalítica de forma introdutória.

Esses grupos mantinham entre si uma convivência muito próxima em termos de base teórica, valores, afetos e ideais. Mas, para a fundação do Departamento de Psicossomática, seria preciso uma “nova ação psíquica” que os integrasse, que oferecesse um envelope, uma pele que traçaria uma trincheira, um limite, instauradores do narcisismo grupal (Anzieu, 1993). O gesto de fundação do Departamento marcaria “uma separação irreversível entre o dentro e o fora, entre o antes e o após.” (Kaës, 2011, p.91).

Eis que surge um grupo de alunos e ex-alunos do curso de formação solicitando mais do que a simples doutrina da psicossomática psicanalítica, solicitando um espaço de pertencimento, que gerasse referenciais identificatórios.

Dispostos a realizar o gesto de fundação do Departamento, passam a se reunir e a gestar seu projeto. Neste processo, escutamos diversas vezes falas como “já tentamos fundar o departamento outras vezes e o projeto não saiu do papel, será que desta vez vai?”. Ou seja, o sonho da criação deste departamento vinha sendo artesanalmente construído ao longo destes anos e há muito se aguardava a constituição de um grupo forte e atuante de alunos e ex-alunos que enfrentasse a empreitada da criação do Departamento.

Desta vez, algo de diferente se processou, possibilitando que a fundação se consumasse. Na cerimônia de fundação do Departamento referendamos o regimento interno do Departamento, elaborado por seu grupo fundador. Mas naquele momento fez-se mais do que um contrato regimentar. Naquele momento histórico da psicossomática psicanalítica brasileira, formalizamos o contrato narcísico (Kaës, 2000) que fomos construindo ao longo destes anos.

Segundo este contrato, todo sujeito chega ao mundo da sociedade e da sucessão das gerações com a missão de garantir a continuidade do conjunto ao qual pertence. Em troca, o conjunto investe narcisicamente o sujeito atribuindo-lhe um lugar específico no grupo, indicado por um discurso carregado de ideais e valores do grupo, que transmite a cultura e deve ser assumido pelo sujeito. Este discurso e este investimento narcísico o enlaçam ao ancestral fundador.

Este ganho narcísico de pertença acontece nas associações de psicanalistas e as diferencia de instituições públicas ou privadas, onde a remuneração é salarial. Esta distinção é importante, porque especifica as associações de psicanalistas e constitui fator determinante das cisões institucionais tão comuns em nosso meio.

Ao se assumirem signatários deste contrato, o grupo de professores dos cursos existentes e o grupo do Projeto de Atendimento e Pesquisa em Psicossomática Psicanalítica se mostraram disponíveis a se engajar de uma forma mais contínua na formação de novas gerações, gerações não apenas de alunos que frequentam e concluem os cursos e atendimentos propostos, mas de colegas que possam ampliar e diversificar as tarefas dentro do Departamento. Isso exige um trabalho psíquico de reinscrição na genealogia, que passa pela identificação com o ancestral fundador. Analogicamente falando, equivale ao processo de identificação com os pais, necessário para que alguém se torne mãe ou pai. Essa demanda de trabalho psíquico nos impôs um tempo de gestação e de maturação necessário para a fundação do Departamento.

“Nesse movimento, a fundação indica e, a seguir, impõe um ideal, ancoragem necessária para sustentar a realização de um projeto. Portanto, para instaurar na temporalidade um futuro.” (Kaës, 2011, p. 91)

O tempo agora é o de germinar, vão surgindo ideias e, destas, tarefas que no confronto com a realidade se transformam. O Departamento prepara sua Revista, excelente modo de documentar sua produção, bem como de propiciar interlocução com os colegas de outros grupos e instituições que trabalham direta ou indiretamente com essa clínica, que vem sendo amplamente discutida: a dos sintomas que se apresentam no corpo, seja pela somatização, seja na relação do sujeito com o corpo, pela via da ação. Intercâmbios que já acontecem nos simpósios e nos livros produzidos poderão se dar de um modo mais contínuo através da revista. Com o apoio de um Departamento a tarefa torna-se mais plural e sustentada por uma equipe de trabalho.

Outro movimento é o da criação de grupos de trabalho, de discussão teórico-clínica e de estudos. Inicia-se um grupo de estudos sobre Christophe Dejours, autor bastante conhecido que trata da compreensão da interface corpo biológico-corpo erógeno, abordada através do que chamou de terceira tópica.

Outras ideias vêm germinando na direção de debates desencadeados por filmes que abordem questões da contemporaneidade e do corpo ou por questões clínicas, tais como as do aspecto contratransferencial tão presente nos casos que apresentam somatização. Além de um grupo de ex-alunos e professores que já há alguns anos vem discutindo os trabalhos no campo da Saúde Coletiva em sua interface com a Psicossomática.

E assim seguimos, no projeto de construir um ambiente que suporte a dúvida e a incerteza e que, portanto, propicie um espaço para a criatividade, fantasia, construção de sentido e simbolização no processo de transmissão e apropriação subjetiva da herança. Um projeto de devir.

Referências:
Anzieu, D. O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1993.

Kaës, R. O luto dos fundadores nas instituições: trabalho do originário e passagem de geração, In: Nicolle, O., Kaës, R. A instituição como herança: mitos de fundação, transmissões, transformações. São Paulo: Editora Ideias & letras, 2011.

Kaës, R. Las teorias psicoanaliticas del grupo. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2000.

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[1] Psicanalistas, membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e do novo Departamento de Psicossomática Psicanalítica.




 
 
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