BIBLIOTECA MADRE CRISTINA
Estávamos organizando a nossa VIII Feira do Livro do Instituto Sedes Sapientiae, no mês de outubro, e percebemos que a Madre Cristina se estivesse viva faria seu aniversário no dia 07, na semana de nossa Feira do Livro. Quando atentamos ao ano, percebemos que tinha dado o centenário de seu nascimento (1916-2016).
A equipe ficou animadíssima em fazer uma homenagem na própria Feira do Livro; pois se tratava da idealizadora do Instituto e patrona da Biblioteca.
Agendamos a data para o evento no próprio dia do seu aniversário, que foi 07/10/2016, em uma sexta-feira.
Iniciamos um levantamento de todos os documentos referentes à Madre Cristina pesquisando em seu próprio Arquivo Especial, localizado na Biblioteca.
Elaboramos filipetas Marcadores de livros com uma foto da Madre Cristina indicando o centenário de seu nascimento e elas foram entregues aos alunos e professores que estiveram no evento.
Surgiu a ideia da funcionária Janaina de fazer uma Linha do tempo da Madre Cristina com toda a sua trajetória, e em seguida foi confeccionado um banner para ficar afixado na sala de nossa Feira.
Iniciamos uma vasta pesquisa etnográfica nos documentos da Madre.
Para fazer parte deste evento, convidamos a Irmã Pompéa – que faz parte da diretoria do Sedes, é membro da Associação Instrutora da Juventude Feminina, nossa Mantenedora e foi amiga da Madre Cristina – e a professora Laurinda, para falarem da Madre Cristina.
Com a programação acertada, fizemos um folder para divulgação e enviamos para os e-mails dos funcionários administrativos.
Praticamente todos os funcionários participaram do evento.
Foi muito emocionante!!!!!
Encerramos com um Coffee Break.
CENTENÁRIO DE MADRE CRISTINA
IRMÃ POMPÉA MARIA BERNASCONI[1]
Hoje, 7 de outubro de 2016, comemoramos o centenário de Madre Cristina Maria, idealizadora do Instituto Sedes Sapientiae.
Madre Cristina foi uma pessoa que viveu sempre além do seu tempo, por isso nem sempre foi compreendida.
Sua preocupação desde a infância foi sempre com a questão da justiça social.
Quando criou o Instituto Sedes seu objetivo primeiro foi “criar um espaço aberto aos que quisessem estudar e praticar um projeto para a transformação da sociedade, visando construir um mundo onde a justiça social fosse a grande lei”.
Portanto o Sedes quer ser um espaço:
De formação de profissionais da saúde e da educação,
De luta pelos direitos humanos e políticos,
De apoio aos movimentos populares,
De luta contra toda forma de injustiça,
Na perspectiva de construir uma sociedade justa e solidária.
Também muitas vezes lembrou: “Estamos no Sedes por opção ideológica, se não, aqui chegamos por errar o endereço”.
Cabe a nós hoje, pertencentes à Comunidade Sedes, preservar e dar continuidade a esses princípios, a esta ideologia do Sedes.
Não vou me alongar, pois foi pedido à Laurinda para falar da História de Madre Cristina.
HOMENAGEM PARA MADRE CRISTINA – 100 ANOS DE UM LEGADO
MARIA LAURINDA R. SOUSA[1]
Claudia, Selma, Elania, Bia, Laurinda, Eduardo, Mauriceia, Rubens, Irmã Pompéa, Jezuina.
Foto de Patrícia Gonçalves Vieira
Vou lhes contar uma história organizada em três momentos.
Primeiro momento:
Era uma vez uma menina que nasceu há muitos e muitos anos atrás, no início do século passado. Se ela estivesse entre nós, neste momento estaria festejando 100 anos.
Era a primeira filha de um casal que teve, depois, mais 4 meninas. Mas, ela era uma menina muito, muito especial. Desde pequena tinha um olhar voltado para o mundo e para as conversas políticas das gentes grandes que se reuniam na casa dos pais, coisa muito rara naquela época. Época em que às mulheres e às crianças era reservado um outro lugar, ou melhor seria dizer, um não lugar.
Um dia fez uma pergunta decisiva ao pai: “Por que é que a gente tem tudo e eles não tem nada?” Para essa pergunta, não havia muitas respostas. Ela decidiu, então, que queria ficar velha logo, crescer bem rápido para resolver as injustiças.
Essa história, apesar de começar com o Era uma vez não é um conto de fadas. É uma cena da origem dessa criança; uma cena que marca a história de Madre Cristina.
Segundo momento:
Conheci Madre Cristina em 1970, quando entrei na Faculdade de Psicologia do Sedes Sapientiae. Nessa época o Sedes ainda era na Caio Prado e tinha uma outra história – diferente da que tem hoje como Instituto de formação.
O Brasil estava submetido ao regime militar – ditatorial - e o Sedes, como todos sabem, sempre foi um lugar de resistência e de acolhida aos que precisavam de proteção. Certa vez, Madre Cristina convidou Florestan Fernandes para falar para nossa turma. Ele estava banido do país por conta de suas ideias. A madre sugeriu que formássemos uma corrente com as mãos dadas até a porta da Marquês de Paranaguá e, através de sinais – pressionando as mãos, como num telefone sem fio -, avisássemos se a polícia se aproximasse. Nem sabemos o que de fato falou Florestan Fernandes; a tensão da situação foi muito mais intensa.
Ela estava sempre a postos na entrada da Clínica e acompanhava o percurso dos alunos que iniciavam sua prática clínica naquele local. Circulava pelo barzinho do seu João e pelas salas de aula mesmo quando o seu nome não fazia parte da grade curricular do curso de Psicologia. É seu João que conta:
“Um dia a Madre chegou no bar e pediu para que eu juntasse todas as tampas de garrafa. Eu fiquei surpreso com o pedido e perguntei para que serviria. Ela disse que era para jogar no chão durante os manifestos políticos para que os cavalos derrapassem e caíssem no chão”.
Madre Cristina acompanhava de perto ou à distância os movimentos de nossa formação e também as tendências psicológicas vigentes naquele momento. Lembro-me de sua crítica à ideia de prevenção, ideia tão presente desde a década de 60 do século passado. Para nós, pensar na prevenção primária, secundária ou terciária era uma proposta inovadora em termos de educação e de Saúde Mental. Na fala de Madre Cristina, essa ideia partia do pressuposto de doença e portanto marcava dessa forma nosso olhar e nossa prática. Era sobre o desenvolvimento normal e sobre as discussões acerca da educação e da participação política que ela entendia a tarefa do mundo universitário. E o compromisso prioritário com os direitos humanos, a igualdade e a justiça.
Como fazíamos parte da última turma de Psicologia daquela faculdade – logo depois de nossa entrada, houve a unificação com a PUC São Bento -, ela ousou na proposta pedagógica de nossa turma. Sugeriu que montássemos o currículo com o que julgássemos importante para nossa graduação. Tarefa pioneira e instigante; ela nos mostrava na prática que as instituições são construções históricas e, portanto, passíveis de mudança pela ação dos homens. E que a universidade pode ser um espaço livre e criativo. Só mais tarde, o pensamento de Foucault enunciou, para mim, a teorização dessa proposta.
Outro ato foi a delegação na condução de uma creche, criada em 1968, para os filhos dos alunos e funcionários. Tínhamos que nos revezar na organização das tarefas e nos cuidados. Não tivemos sucesso nessa proposta, não tínhamos maturidade suficiente para encampá-la. Mas isso também foi uma grande aprendizagem.
Lembro-me particularmente de uma de suas aulas, quando nos mostrou a existência da transmissão de pensamentos, sua crença na telepatia e na existência de uma comunicação que ultrapassa a lógica racional. Muito depois, em 1995, numa de suas entrevistas ela falaria disso:
“Há todo um campo da Psicologia que ainda não foi integrado pela ciência. Há uma série de fenômenos que a Psicologia passou a definir como parapsicologia. Não é mágica. É uma força que a Psicologia não descobriu ainda... Como a Psicologia não os estuda, ficam marginalizados pelas cartomantes, videntes, etc. Aliás, apenas um pedaço mínimo de nosso cérebro está atualizado... Precisamos estudar o homem, a mulher, o ser humano”.
E ela já afirmara anteriormente como entendia o campo da Psicologia:
“Eu nunca dissociei psicologia de política. Para fazer uma transformação da sociedade, para trazer ao mundo um outro modelo de sociedade, é preciso pessoas bem ajustadas.”
Em outro momento, encontrei-a, um pouco perdida, já com a visão bastante limitada, no saguão de um Congresso. Aproximei-me e perguntei-lhe se precisava de ajuda. Ela queria ir ao banheiro e não conseguia localizar-se. Fui com ela. No caminho, me disse que agora a situação se invertia; éramos nós que a conduzíamos.
Fiz um recorte dessas cenas porque, para mim, elas estão intimamente ligadas. Nelas há uma referência à transmissão – transmissão de um saber, transmissão de uma forma de estar no mundo, transmissão de um legado. É nesse ato de transmitir, em que ela foi tão especial, que Madre Cristina se faz presente nas diferentes gerações que partilharam da história deste Instituto. E que nós, por outro lado, tentamos transmitir aos que chegam a esta casa.
Quando, em 1990, perguntaram a Madre Cristina se o Sedes era uma escola, ela prontamente respondeu retomando, em sua fala, o desejo infantil que nunca a abandonou e que se tornou realidade:
“Não é fundamentalmente uma escola. Aqui é um espaço político para as pessoas que quiserem refletir e encontrar um novo modelo de sociedade. Tudo que existe deve existir em função disso. Em função da solução de um problema que é a Justiça social.”
É significativo, também, que a comemoração de hoje tenha sido uma iniciativa da Biblioteca, numa feira de livros. As bibliotecas são espaços de transmissão e arquivos históricos do que se produz no mundo. São portas que se abrem para outros universos do pensamento. É sábio e significativo que esta biblioteca, fundada em 1987, tenha o nome da Madre Cristina.
Terceiro momento:
Vou então lhes falar um pouco da produção teórica de Madre Cristina. Em geral, falamos pouco sobre isso. Esta não é a parte mais marcante de sua história. Para ela, o pensamento se constrói na ação e sua obra escrita sempre foi efeito de sua ação no mundo.
Nesse sentido, podemos dizer que sua produção teórica começou muito cedo. Começou marcada pelas ideias que ouvia em sua casa, nas suas indagações precoces sobre a injustiça social – “por que uns tem tanto e outros tão pouco?”, e nos livros que adorava ler. Foi uma leitora dedicada de Freud e de Marx, lia 18 horas por dia. Queria ser advogada para resolver as questões sociais. Mas seu caminho foi outro: a Pedagogia, a Psicologia, a vida religiosa. Adotou o nome derivado de Cristo – Cristina, pois, para ela, Cristo foi um revolucionário e a igreja ou seria revolucionária ou não seria cristã.
Em 1940, fundou a Clínica Psicológica do Sedes com o objetivo de atender os filhos dos trabalhadores – uma clínica social. E também para atender, futuramente, os presos políticos, os pobres, os que fariam a revolução.
Sua tese de doutoramento, em 1952, aos 36 anos – Psicodinamismo do Ajustamento da Personalidade - deu origem ao seu primeiro livro, efeito desse percurso e dessa formação.
Em 1958, já como professora do curso de Psicologia, publicou o livro Psicopatologia e passou a lutar ativamente pela regulamentação da profissão, o que só aconteceria em 1962. O curso regular de Psicologia começou a funcionar, no Sedes, em 1963.
Em 1959 publicou, na Revista da PUB, Características Masculinas e Femininas da Personalidade, onde defendia a igualdade de direitos para os dois gêneros, mas marcava também as suas diferenças.
Em 1960, escreveu Psicologia científica geral (um estudo analítico do adulto normal) , inicialmente publicado para seus alunos, como uma sistematização das aulas que faziam parte do seu curso de Psicologia.
Em 1967, juntamente com o Padre Charboneau, lançou o livro Amor, sexo e segurança, um livro dedicado à juventude, aos pais e educadores. No primeiro capítulo, Madre Cristina coloca em relevo duas necessidades básicas: Afeto e segurança.
Em 1968, Educando nossos filhos; um livro escrito para os casais da Escola de Pais que havia sido fundada em 1963, com grande participação de Madre Cristina e do Padre Charboneau.
Em 1974, Psicologia do Ajustamento Neurótico, seu livro mais conhecido.
Entre as epígrafes escolhidas para esse livro, destaco a de Martin Luther King:
“Rebelião é a linguagem daqueles a que ninguém vê”
E a dedicatória - marca de quem faz da produção teórica, uma declaração de luta:
“Aos companheiros de luta
que saíram da vida
para entrar na história;
Aos companheiros injustiçados
Não sabendo fazer mais... ”
Destaco, ainda, a forma coloquial como apresenta as situações clínicas. Como quando exemplifica a projeção:
“Se a senhora puder me ajudar em alguma coisa, gostaria que me dissesse como obter, desta geração inconsequente, mais disciplina, mais responsabilidade, enfim, mais dignidade humana”.
Interpretação:
Projeção – Todo o mundo marcha com passo errado, menos ele... (p. 107)
Ou o mecanismo da avestruz: “o sapato aperta/ o país Exporta/E na minha porta/ ninguém quer ver” (p.103)
Hoje, neste momento tão desolador de nossa história política, de franca desdemocratização, fazem falta as palavras de Madre Cristina, pronunciadas na luta pelas Diretas já, em 1984, 32 anos atrás:
- Fala Brasil, fala pelas urnas, dizendo que teu povo inteiro quer eleição como sinônimo da verdadeira revolução;
- Fala Brasil, fala pelas urnas, dizendo que teu povo é muito ordeiro, mas que não é cordeiro;
- Fala Brasil, fala pelas urnas, dizendo que teu povo cumpre a constituição que não foi feita da prostituição;
- Fala Brasil, fala pelas urnas, dizendo que teu povo exige punição exemplar pelos 20 criminosos anos da ditadura militar;
- Fala Brasil, fala pelas urnas, dizendo que 1984 encerra e enterra 1964.
A realidade brasileira nos mostra que esse enterro ainda não foi feito.
Precisamos, de novo, lotar as praças e resgatar outras falas potentes para o futuro do Brasil que interrompam o avanço das propostas técnicas e “gestoras” do projeto neoliberal.
7/10/2016
Referências Bibliográficas:
Lorencini, B. D. Braga. A Madre Coragem – trabalho de conclusão do curso de Formação Biográfica com metodologia de bases antroposóficas. São Paulo, 2004-2008.
Mazin, A. D. e outros. Pensando com Madre Cristina. Série Realidade Brasileira. São Paulo: Escola Nacional Florestan Fernandes, 2012.
Sodré Dória, Mde. Cristina. Psicologia Científica Geral. Rio de Janeiro: Agir, 1960.
___________________ Educando nossos filhos. São Paulo: Edição Sedes Sapientiae, 1968.
___________________ Psicologia do Ajustamento Neurótico. Petrópolis: Edit. Vozes, 1974.
___________________ & Charbonneau, p. E. Amor, Sexo e Segurança. Porto Alegre: Edit. La Salle, 1967.
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[1] Diretora do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise; professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.