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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    43 Setembro 2017  
 
 
O MUNDO, HOJE

PRÁTICAS COLABORATIVAS


MARÍLIA CAMPOS OLIVEIRA E TELLES[1]


O trabalho multidisciplinar em Direito de Família vem da busca de uma práxis que possa estimular a pessoa a encontrar seu caminho particular ao bem estar, quando procura ajuda profissional de um advogado em meio a uma crise, para que resolva seus problemas.

Há muito temos visto sentenças que terminam processos judiciais mas não resolvem de fato o problema das pessoas, uma vez que o conflito permanece em suas vidas. Isto nos motiva a buscar outras formas de atuação que tragam resultados de fato eficazes.

Além disto, especialmente no campo do Direito das Famílias, podemos verificar a impossibilidade de os textos legais acompanharem a evolução social das famílias, sendo necessária a utilização de outras técnicas para solução e prevenção de litígios.

Atualmente podemos considerar já bastante difundida a noção de que o conflito é inerente à existência humana e que, portanto, cabe escolher qual a forma mais adequada de lidar com ele, especialmente para os profissionais do Direito.

Como precisamente apontado por Mara Caffé, “Guardadas as especificidades da Psicanálise e do Direito, podemos dizer que ambas as áreas visam a um certo procedimento a partir de conflitos, ou então, um certo processamento de conflitos, ainda que com pontos de partida e finalidades muito distintas. As pessoas que recorrem à instância judicial ou que demandam uma análise, para usar as expressões mais comuns em cada caso, o fazem na expectativa de uma solução de conflitos. Portanto, a noção de conflito é bastante central na Psicanálise e no Direito, definindo em grande parte o objeto de suas práticas: respectivamente, o conflito psíquico e o conflito jurídico”[2].

O uso dos meios adequados de resolução de conflitos também vem sendo mais difundido nas últimas décadas pois hoje a experiência nos permite perceber claramente – e aceitar - que nem advogado nem juiz sozinhos tem condições para concluir o que é melhor para o cliente. Mais que isto: cabe ao cliente esta conclusão e lhe devem ser dadas as condições para que, como sujeito de sua história, possa construir suas escolhas, tomando decisões que levem em consideração seus próprios interesses e os das outras pessoas envolvidas.

Assim nasciam as Práticas Colaborativas, na década de 1990, nos Estados Unidos. Stuart Webb, advogado cansado de longas, cansativas e infrutíferas batalhas judiciais, propôs a um grupo de advogados e juízes que passassem a trabalhar de forma efetivamente colaborativa e não litigiosa.

As Práticas Colaborativas são um método não adversarial de resolução de conflitos onde cada cliente será representado por um advogado devidamente capacitado nesta técnica e, juntos, todos assinarão um Termo de Participação comprometendo-se a negociar com transparência e com o compromisso de não litigar durante todo o procedimento, sob pena de interrupção do processo com a retirada dos profissionais. Os advogados comprometem-se a recorrer ao Poder Judiciário apenas para homologar acordos ou tomar medidas legais previamente acordadas entre os clientes no que diz respeito à matéria que está sendo negociada. Desta forma, os clientes encontram campo para conversarem com a necessária confiança, tendo ambos advogados como aliados na construção de um acordo que beneficie toda a família.

A esta Equipe Colaborativa é recomendável que se somem dois coaches, profissionais da saúde mental igualmente capacitados para atuar, um para cada cliente, para que colaborem na elaboração dos processos subjetivos durante a negociação, como também para auxiliar os advogados na identificação dos verdadeiros interesses dos clientes.

As Práticas Colaborativas, assim como a Mediação, têm como princípio a boa-fé que pode ser entendida como confiança, lealdade, honestidade, sinceridade, e a confidencialidade. Nas Práticas adotamos o termo transparência para designar este compromisso assumido por toda equipe que adotará o procedimento, sendo condição imprescindível para contratá-la e, com o mesmo peso, sua quebra é motivo para interromper o procedimento e obrigar a retirada de toda equipe multidisciplinar, que não mais poderá atender estes clientes em questões de família.

Os dois métodos têm efeito emancipador nos participantes por se sentirem capazes de analisar e resolver os próprios conflitos e de conduzir a própria vida de maneira responsável, cooperativa e solidária.

O trabalho multidisciplinar para atender os sujeitos que estão em sofrimento, pleiteando respeito aos seus direitos, mostra-se assim imprescindível se pretendemos que haja efetivo cuidado e respeito, especialmente nas questões familiares. Nós, advogados, não queremos mais falar pelos nossos clientes, mas queremos estar junto deles, como parceiros, consultores e não representantes, dando-lhes a oportunidade da narrativa direta, exercendo seu papel de protagonista.

Além disto, ao contrário do que acontece no conflito jurídico, no trabalho multidisciplinar há o respeito pelo tempo das pessoas, seu ritmo, e a possibilidade de instaurar uma temporalidade que aproxime a emissão e a recepção dos discursos.

Assim, na advocacia colaborativa temos a oportunidade de auxiliar nossos clientes mas, principalmente, toda a família, na identificação de valores, reais interesses e prioridades, buscando soluções criativas, inclusivas e de benefício mútuo, mantendo o olhar voltado para o futuro, participando desta composição, da criação desta nova trama, deste novo tecido que os revestirá, na cadência e no compasso que lhes são peculiares.

Nas Práticas Colaborativas temos ainda a oportunidade de constituir uma equipe interdisciplinar, trazendo um profissional da saúde mental especialmente habilitado para atuar como coach, um técnico, dos clientes. Esta função não se confunde com a de um terapeuta individual, na medida em que busca auxiliar diretamente o cliente na compreensão e elaboração das emoções provenientes daquela situação de conflito, na identificação e priorização de temas, interesses, necessidades e valores dos envolvidos; no desenvolvimento e fortalecimento dos próprios recursos e habilidades; no entendimento da dinâmica comunicacional com a outra parte; na compreensão e no lidar com as questões relacionadas aos demais envolvidos (filhos, sócios, empregados); na resolução dos temas pendentes que interferem na relação de uma relação coparental efetiva; na construção de um planejamento parental colaborativo e funcional; na preparação para o diálogo e negociação com a outra parte.

Além do coach para os clientes, quando há filhos envolvidos há a possibilidade de um “coach dos filhos”, um terapeuta especializado em crianças e adolescentes, vir a integrar a equipe para atuar como porta voz da prole.

É importante destacar que o trabalho na Mediação e nas Práticas Colaborativas exige disponibilidade e condições objetivas e subjetivas para enfrentar o trabalho. Nem o mediador, nem a equipe profissional nas Práticas Colaborativas podem agir se os clientes não se colocarem como participantes ativos do procedimento. Assim como Freud no passado, nós também temos que mostrar “as dificuldades do nosso método, o tempo que este vai demandar, os esforços e sacrifícios que vai exigir, e, quanto ao sucesso, dizemos não ser possível promete-lo com segurança, porque ele dependerá do comportamento, da compreensão, da obediência e da persistência do próprio doente”[3] – no nosso caso, cliente.

Na convivência entre profissionais de Direito e da Psicologia, entre outras áreas afins, foi possível perceber o longo alcance destas práticas que trazem uma abordagem centrada nas pessoas, baseada no diálogo. É necessário, pois, encorajar a expressão para que seja clara e atenta, da mesma forma que a escuta, para que seja empática e inclusiva, ouvindo e dando espaço a novas perspectivas, respeitando as diferenças. O advogado na área de família, com a colaboração de um profissional da Saúde Mental, deve dar a palavra ao sujeito, proporcionando tempo e escuta para que sejam traçados criativamente os caminhos de um consenso e, neste movimento, o próprio cliente tenha oportunidade de se escutar, além de ser escutado.

Conheça mais sobre as Práticas Colaborativas no Brasil em www.praticascolaborativas.com.br.

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[1]Advogada. Mediadora de família e Advogada Colaborativa. Formada em Artes Cênicas pela USP. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito – EPD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFam, da International Society of Family Law – ISFL, da IACP – International Academy of Collaborative Professionals e do CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem – no Gemep – Grupo de Mediação Empresarial. Participante do grupo Novas Configurações Familiares do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde cursou Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma (2014/2015). Coordenadora da obra conjunta Problemas da Família no Direito, autora de artigos jurídicos e contos de ficção.
[2] CAFFÉ, Mara. Psicanálise e direito. São Paulo: Quartier Latin, 2ª ed., 2010, p.165
[3] FREUD, Sigmund. Conferências introdutórias à psicanálise. In: Obras Completas, vol.13. SP: Companhia das Letras, 2014, p.19.




 
 
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