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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    49 Abril 2019  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA PALESTRA REFLEXÕES SOBRE O MOMENTO HISTÓRICO: IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO HOJE[i], DE PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO JR [ii]



JULIANA JUNQUEIRA BEI [iii]



O segundo semestre de 2018 foi marcado no Sedes, entre outras atividades, por palestras que o grupo Barrar a Violência organizou com o intuito de ampliar as discussões e trocas acerca do cenário político e social, marcado pelas eleições à presidência. Diante do medo e angústia com os quais nos deparamos neste período, o grupo convidou três palestrantes de diferentes áreas para conversar com a comunidade Sedes: o jurista Pedro Serrano[iv], em 23/10, o advogado Ney Strozake, em 28/11, e o economista Plínio de Arruda Sampaio Jr, em 4/12.

Sobre este terceiro evento, que surtiu efeitos de otimismo em boa parte dos que estavam presentes, valem algumas considerações a partir da proposta crítica apresentada por Plínio. Crise foi uma das palavras mais recorrentes para se referir aos problemas do Brasil, sejam de ordem econômica, social ou política. Assim Plínio inicia seu raciocínio que pretende esclarecer, em termos amplos, as origens da profunda crise econômica e de identidade atravessadas pelo país e seus cidadãos.

Segundo ele, a economia brasileira está estagnada há praticamente quatro anos e não há perspectiva de melhoria. O maior problema atual é o desemprego, que atinge mais de 28 milhões de pessoas, ou seja, uma a cada quatro. E a expressão disso é a violência, que mata em torno de 62 mil pessoas por ano (negros, jovens e pobres da periferia em sua maioria) – contingente equivalente aos norte-americanos mortos ao longo dos trinta anos da guerra do Vietnã. Portanto, se a economia para, a crise vem à tona.

Para entendermos o processo de desindustrialização do país como um importante agravante da crise política e econômica, Plínio rememora o período da Nova República e a Constituição de 1988, que trazia em seu âmago a luta pelos direitos civis, chamada por Ulisses Guimarães de “constituição cidadã”. Lá estava a promessa de uma sociedade democrática, recém-saída de uma ditadura militar, que revogava garantias civis, de educação, de direitos, de SUS. Prometia-se ao Brasil uma “Suíça”, mas o que foi entregue ao povo foi um “Haiti”, segundo Plínio. Para ele, o núcleo da crise está na morte da Nova República. Se lembrarmos das manifestações de junho de 2013, por exemplo, veremos que era essa a tensão que levou o povo às ruas reivindicando seus direitos constitucionais. E movimentos sociais são um risco que ameaça a burguesia e acaba por escancarar o jogo de forças vigente. Segundo Plínio, podemos considerar três grandes golpes que colocam a Nova República em crise. O primeiro dado pela ex-presidente Dilma Rousseff, com o “estelionato eleitoral”[v]; o segundo pelo ex-presidente Michel Temer, com “a ponte para o futuro” e sua radicalização dos ajustes econômicos; e por fim a candidatura do novo presidente Jair Bolsonaro, considerado por Plínio como a “metástase do Temer”.

Estamos vivendo uma profunda crise de identidade nacional. Crise na crença dos brasileiros sobre a capacidade do país de resolver seus problemas – e que o empurra para uma reversão neocolonial. O que é isso? Citando Caio Prado, Plínio lembra que o Brasil é “filho bastardo do começo do burguês nas Américas”. E explica que o sentido da colonização sempre foi voltado para os negócios. Tudo aqui ficou subordinado aos negócios: o latifúndio, a escravidão, a escravidão de negros, o comércio, a política. O que seria, então, a luta do povo brasileiro? A resposta é simples: deixar de ser um negócio. Mas para isso teríamos que subordinar a economia aos desígnios da coletividade (e não do capital). E o que o presente aponta é o contrário: o Brasil voltando a ser um mero negócio. Essa é a reversão neocolonial, segundo Plínio.

E como a burguesia responde a esse impacto da crise? Pela solução americana, que se organiza em função dos interesses do grande capital (= empresas grandes não quebram). Em primeiro lugar, pela política da estagnação do tempo – para poder gerir o capital excedente que tem que ser liquidado. Em segundo lugar, pela solução de “passar o mico”: do capital para o trabalho, do setor privado para o setor público, do centro para a periferia. Isso se traduz numa ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, contra as políticas sociais, contra a soberania dos estados nacionais. No caso do Brasil, isso chega sob formas de ajuste às exigências do grande capital. A curto prazo implica em restabelecer a faixa de lucro do capital e criar oportunidades para ele. Exemplos: o pré-sal, a aposentadoria, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica – privatização. A longo prazo (para o capital ficar líquido), significa adaptar o país às novas tendências da divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, o lugar reservado ao Brasil, assim como a outros países da América Latina, é a posição de uma economia primário-exportadora de agronegócio e extrativismo mineral. Em termos gerais, ocorre um esvaziamento do Estado, que é enfraquecido frente às manifestações do imperialismo. Para ilustrar este processo Plínio usa como metáfora a imagem emblemática do presidente eleito batendo continência ao assessor do Donald Trump – o gesto anuncia que bateremos continência ao imperialismo?

Dessa maneira, o projeto da burguesia (capital) para a sociedade brasileira é o de reduzir o nível de vida dos trabalhadores, diminuir a aposentadoria, promover mais trabalho terceirizado, acabar com políticas sociais. Isso já está em curso há alguns governos, e a tendência desse projeto é ser aprofundado, variando sua intensidade.

Frente à ideia de crise, algumas coisas morrem, outras nascem e algumas permanecem. A industrialização, como mencionada anteriormente, morre. Na política a democracia desaba, sobretudo pela Lava-Jato. Em nome do combate à corrupção acaba-se com um sistema político e alguns partidos. E isso acontece de forma escandalosa. O resultado é uma descrença generalizada na política e seus governantes. Por isso, quando surge uma figura como a de Jair Bolsonaro, pedindo intervenção militar e prometendo algo “novo” para o país, numa espécie de antissistema, milhares de pessoas acabam aderindo. Nas palavras do Cazuza, Bolsonaro seria, para Plínio, um “museu de grandes novidades”, remontando à economia de séculos passados numa roupagem de novo aventureiro. Bolsonaro é um “rei dos negócios”, que coloca a tirania acima de todos, acima do Brasil e de Deus. O que teremos com isso? Um acirramento da luta de classes, maior violência e maior guerra contra os pobres – além de instabilidade e conflitos sociais, visto que a nossa burguesia é, em si, heterogênea e visto que Bolsonaro precisará de mais apoio do que já tem (no Senado e no parlamento).

Ao que teremos que resistir neste governo? De saída, Plínio afirma: resistir aos avanços da barbárie – como fizemos neste encontro no Sedes, que é uma forma de resistência. E ao que mais? Resistiremos aos ataques aos direitos trabalhistas, aos ataques aos interesses estratégicos da nação, aos ataques às liberdades civis e às liberdades democráticas, pois é nesse sentido que o atual projeto de governo irá atacar. Para isso precisamos construir força política real, e isso ocorre concretamente na rua. Plínio não considera que esse seja um governo propriamente fascista, mas se apresenta como um híbrido brasileiro: possui alguns elementos fascistas, alguns elementos de ditadura e de bonapartismo.

A força da massa trabalhadora é aquela capaz de impedir algo nocivo. E nós precisamos de um farol que ilumine nossa alternativa, pois não basta resistir sem propor algo no lugar. O que podemos colocar então ao invés de intervenção militar? Intervenção popular! Como fizeram com a ocupação das escolas pelos estudantes, com as jornadas de junho de 2013, com o protesto contra a Copa em 2014, com a primavera das mulheres em 2016 que derrubou o Cunha, com as greves gerais de 2017, com a greve dos caminhoneiros em 2018. O conteúdo de tais manifestações há de ser político e nacional, abrangendo desde os problemas mais antigos (machismo, racismo) aos mais contemporâneos (reformas, etc.). Plínio faz uma defesa do socialismo como projeto revolucionário para o Brasil, como alternativa ao ousado projeto em vigor que acaba com a Petrobrás, com o pré-sal, com a CLT, com o SUS, com as escolas pensantes (“Escola sem partido”). E encerra sua fala com uma citação do livro Formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, a respeito do desafio de passarmos pelas provas cruciais de um esboço de nação pós colônia, que agora se vê numa espécie de trincheira entre a barbárie e a civilização.

Plínio conclui com a convocação: aqui terá luta e nós iremos para a rua.

Vale lembrar que, na ocasião desta palestra, Bolsonaro ainda não havia sido eleito e ainda não podíamos realmente avaliar o que viria pela frente. Desde sua posse em 1º de janeiro, muitos acontecimentos lamentáveis se passaram no campo da política e na sociedade civil. Cabe destacar que só no mês de março tivemos, entre outras tragédias, o episódio em Suzano [vi]e as manifestações em torno da investigação do assassinato de Marielle Franco [vii], investigação esta que completou um ano desde sua morte, em 14 de março de 2018, sem que os seus verdadeiros mandantes fossem encontrados e punidos. Em Suzano, o povo foi às ruas carregando cartazes que defendiam o porte de livros e não o de armas, em resposta à afirmação espantosa de nosso ministro da Educação de que professores deveriam trabalhar armados. A Revista Piauí disponibilizou a matéria A metástase[viii] (metáfora usada por Plínio durante a palestra) por 72 horas na rede, para que um maior número de pessoas tivesse acesso aos esquemas corruptos, violentos e tenebrosos entre a polícia, a política, as milícias no RJ, a família Bolsonaro e a morte de Marielle. Tivemos, no dia 14 de março, uma manifestação pela Avenida Paulista em nome dela e sua luta pelas minorias vulneráveis. Isto é: povo na rua é o que não tem faltado por aqui (assim como apoio e reconhecimento de outros países prestando homenagens e manifestando sua perplexidade) apesar da guerra estranha que vem ganhando forma e corpo nesse governo inescrupuloso onde a lei é, como temíamos ano passado, palavra morta. E se a palavra falta, é com corpo e resistência que seguiremos lutando por dias melhores.



[i] Em breve a gravação desta palestra estará disponível no site do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

[ii] Prof. livre docente IE-Unicamp, economista pela FEA-USP, Doutor IE-Unicamp, Conselheiro científico FAPESP, autor de Crônica de uma crise anunciada: crítica à economia política de Lula e Dilma , filiado ao PSOL, Conselheiro de Movimentos Sociais.

[iii] Aluna do Curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

[iv] O conteúdo da palestra de Pedro Serrano encontra-se disponível através do link https://www.youtube.com/watch?v=a-whiJIIZKQ&t=9482s ou da matéria no Boletim Online n. 48 http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=48&ordem=6

[v] O 2º governo de Dilma Rousseff sofreu críticas tanto do campo da direita quanto da esquerda. Embora tendo feito uma campanha voltada para os movimentos sociais, ao tomar posse, Dilma acabou adotando um programa econômico neoliberal, beneficiando o capital financeiro – esta foi uma das acusações da esquerda. E é a isso disto que o palestrante se refere quando usa o termo “estelionato eleitoral”.

[vi] Ex alunos matam oito pessoas em ataque a escola em Suzano : matéria da Folha de SP disponível em 17/03/2019 em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/atiradores-matam-cinco-alunos-e-um-funcionario-em-escola-em-suzano-na-grande-sp.shtml

[vii] Quem mandou matar Marielle? E por quê? : texto de Eliane Brum na coluna do jornal El País, disponível em 17/03/2019 em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/13/opinion/1552485039_897963.html

[viii] A metástase – O assassinato de Marielle Franco e o avanço das milícias no Rio . Por: Allan de Abreu. Revista Piauí, edição 150, março 2019.




 
 
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