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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    40 Novembro 2016  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

IN MEMORIAM - MADRE CRISTINA[1]


LUCÍA BARBERO FUKS[2]



Podemos encontrar Madre Cristina em seus ditos, em suas obras e nas particularidades de sua presença e de seu contato pessoal: alguém que estava aí, com quem se podia contar.

Acolher inquietações, abrir portas, marcar caminhos, alentar esperanças, impulsionar movimentos... assim era a Madre Cristina em todas as inúmeras áreas em que se expressaram sua capacidade, seu compromisso e sua ousadia.

Seu posicionamento político se fez marcante tanto no que é grande e amplo, no que está no horizonte e, mais além do mesmo, no plano da utopia, assim como na habilidade para articulá-lo com o mais imediato, com o que era imprescindível aqui e agora, no campo da prática concreta, na significação ética e social de cada gesto e cada ato que compunham o universo da psicologia, campo de conhecimento e de realizações a que dedicou grande parte de sua existência.

Abrir um espaço específico e legitimado para a formação e o exercício da psicologia clínica foi uma meta explícita que guiou seus passos; pô-la a serviço da justiça social foi a aspiração maior. Criar em volta dela um ambiente de liberdade, de intercâmbio criativo e de compromisso solidário e combativo, foi uma necessidade vital.

Era tão importante construir uma identidade dos psicólogos baseada numa apropriação de conhecimentos não limitada por qualquer tipo de preconceito dogmático ou interesseiro, quanto politizar estes novos profissionais, não de uma forma intelectualizada mas a partir da sua angústia e de seu inconformismo.

Impedir que o sucesso, principalmente em matéria de dinheiro ou de poder, os “anestesiassem”. Impedir, também, que se acomodassem no conforto dos limites de classe, no aconchego da clientela. Madre Cristina projetou e construiu a instituição Sedes como um instrumento de luta e um lugar de refúgio contra as ditaduras e os autoritarismos. Suas salas forneceram e garantiram um espaço livre para a expressão e o ensino, tanto a professores universitários que tinham sido cassados pela ditadura militar instalada em 1964, como a psicanalistas argentinos chegados a São Paulo fugindo do Terrorismo de Estado que se impôs naquele país a partir da década seguinte.

Abria a instituição que criara para todos os que quisessem trabalhar nela, mas exigindo um compromisso ideológico que sabia difícil de cumprir, não isento da possibilidade de vacilação ou recuo. A medida estava dada pela prática, principalmente no atendimento aos mais necessitados. Apreciava mais que nada o compromisso efetivo e o gesto concreto. Em primeiro lugar vem o fazer, depois os discursos.

O afeto, nela, era parte substancial de seu fazer.

Nestes tempos, em meio à insensibilidade e ao aturdimento do leilão geral em que estamos imersos, Madre Cristina nos está fazendo muita falta.


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[1] Escrito lido na homenagem feita no Auditório do Sedes em 1997, poucos dias após a morte da madre.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do Curso de Psicanálise e co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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