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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    37 Abril 2016  
 
 
SAÚDE MENTAL

DA SAÚDE MENTAL NOS TEMPOS DA LAVA JATO


ROSANA ONOCKO-CAMPOS [1]

 

Há mais de 90 dias que a ocupação do Ministério da Saúde por militantes do Movimento da Luta Antimanicomial nos lembra de mais um dolorido aspecto do desmoronamento da República. Na lamentável posição de negociar com o inegociável, no final do ano passado, a Presidenta Dilma indicou para ocupar o Ministério da Saúde um ignoto deputado do PMDB, do lado Cunha do poder, por assim dizer. Utilizo a palavra ocupar para falar de um Ministro que, por sua vez, indicou Valencius Wurch Duarte Filho para a coordenação técnica de Saúde Mental do Ministério, que desde então ocupa o cargo porém não sua cadeira, pois o movimento militante tem feito questão de não permitir que ele sente em seu despacho.

O Dr. Valencius Wurch Duarte Filho, ex diretor da Casa de Saúde Dr. Eiras, o maior hospício da América Latina, localizado no Rio de Janeiro, declarou em 1995 que era contra a Lei Paulo Delgado – lei que garante os direitos aos portadores de transtorno psíquico no Brasil – e que tirar as pessoas dos manicômios era algo meramente “ideológico”.

Em maio e agosto de 2000, o Ministério da Saúde produziu auditorias que descreveram um quadro de casa dos horrores na Casa de Saúde Dr. Eiras. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados da época também criticou o manicômio. Em 2001, a Secretaria de Estado de Saúde proibiu novas internações – havia pouco mais de 1.500 pacientes -, e assumiu a gestão. O local foi fechado em 2012, dois anos depois de ordem judicial apoiada numa série de denúncias sobre as condições sub humanas em que os internos viviam. Valencius Wurch dirigiu o local por dez anos, denunciado inúmeras vezes por abandono e maus tratos.

Esse é o breve histórico dos méritos do coordenador que usurpa a coordenação técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Sua indicação para o cargo pelo Ministro da Saúde Marcelo Castro configura um óbvio ataque aos valores que propulsaram a Reforma Psiquiátrica brasileira. Tenho defendido que o Movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira conseguiu um dos grandes trunfos ético-políticos do Brasil contemporâneo, com suas lutas incansáveis desde os anos oitenta. Tratar em liberdade, expandir serviços de base comunitária, a extensão de cobertura, os cuidados centrados nas pessoas e a diversificação de opções terapêuticas têm sido desde então os pilares de uma parte do sistema de saúde (SUS) da qual podemos nos orgulhar. Não que nos faltem problemas, mas a trajetória dessa política pública tem sido bem-sucedida e há consenso sobre isso entre pesquisadores nacionais assim como reconhecimento internacional.

A revolta e o gesto de ocupação dos militantes, portanto, constitui-se em resposta legítima: numa guerra de posições estaríamos combatendo uma ocupação (a do Wurch, a do ministro inglório) com outra. Tem sido emocionante ver como esse movimento mantém vivos os valores de uma luta e também o valioso intercâmbio entre gerações, onde existe transmissão de questões e sustentação de tensões trazidas pelas diferenças. É a frutífera tensão e a cooperação entre gerações que mantém viva a mudança social. Winnicott dizia que uma sociedade consegue criar, recriar e conservar sua estrutura democrática se há um número suficiente de seus membros que atingiu o amadurecimento emocional.

Porém, no ritmo vertiginoso que tem tomado a política, hoje não é absurdo imaginar que a Presidenta Dilma possa cair mantendo Wurch em seu ministério. Ficaria na sua história como mais uma mácula, talvez nem sequer a derradeira.

Março de 2016.



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[1] Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp.

 




 
 
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