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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    60 Setembro 2021  
 
 
ESCRITOS DA CLÍNICA

O SILÊNCIO PARA A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS


PAULINA SCHMIDTBAUER ROCHA [1]

De vez em quando, as psicanalistas gostam de exemplificar uma questão teórica recordando coisas da sua vida cotidiana. Numa dessas conversas ao redor do cafezinho, uma amiga analista lembrou dos seus tempos de jovem mãe: com seu filho primogênito recém-nascido, num país distante, o jovem casal tinha acabado de se instalar e o marido trabalhava o dia todo fora. Voltava à noite para casa e, cheio de saudade, dirigia-se ao berço para pegar o filho nos braços. Sentava-se na poltrona e, segurando o filho face a face, contava-lhe seu dia de trabalho. O bebê, quieto, olhava com atenção o pai, parecia até concentrado, disse-me a amiga rindo. Vários dias se passaram com essa rotina, que ela espiava sem interferir, deleitando-se com a cena. Um dia, quando o pai parou de falar, o bebê lançou um arrulho e continuou por um tempo fazendo caras e bocas e arrulhando. O pai ficou escutando e, quando o filhote parou, exclamou: “Não diga, foi assim mesmo o seu dia?! Que dia, hein!” No dia seguinte, chegou, pegou o filhote, sentou-se na poltrona e olhando-o perguntou: “Me conta, então, como foi seu dia?” O fofo do filho arrulhou seu dia e o pai escutou atentamente. Quando o pixote cansou de tanta conversa, o pai teceu seus comentários e contou, como até então, a sua jornada.

Como vocês já devem ter adivinhado, nossa conversa de psicanalistas tratava de narrativas.

Penso que essa conversa ilustra bem aquilo sobre o que gostaria de falar aqui: o silêncio que gera narrativas. Quando, após a pergunta, o pai silencia na expectativa de que o filho fale, é com certeza a pausa que permite o aparecimento da narrativa, quer dizer, dos arrulhos. O pai dá sentido aos arrulhos do filho tratando as sonorizações como resposta a sua pergunta e como narrativa sobre os acontecimentos do dia na vida do pequeno. Cria uma situação-contexto da qual a narrativa faz parte. Atribui sentido às sonorizações emitidas pelo filho, enriquece o ritmo e a entonação da própria fala e cria depois uma nova situação. O que está em jogo aqui nessa troca de falas não são as palavras e seu significado, mas a linguagem como fala no ato da comunicação, com seus elementos portadores da significação afetiva: o ritmo, a entonação, a pausa e a intensidade.

Quero fazer agora uma pequena, porém importante, digressão, saindo do âmbito da psicanálise e entrando no mundo do método verbo-tonal de reeducação da audição e da fala para os surdos, criado pelo linguista e foneticista croata Petar Guberina e por seus colaboradores nos anos 50 do século passado, na Universidade de Zagreb, Departamento de Fonética da Faculdade de Filosofia e na clínica Centro Suvag. Sem me deter na história da criação do método, nem na sua aplicação para os deficientes auditivos e depois para os ouvintes com dificuldades de fala ou falando pouco, apenas gostaria de apontar o papel que teve na construção do atendimento psicanalítico institucional com crianças com autismo infantil do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL) em Recife, há 35 anos. A técnica ali desenvolvida deve tanto à teoria da técnica psicanalítica quanto ao método verbo-tonal.

Petar Guberina se debruçou sobre o ato da comunicação e seus componentes a partir do ensino das línguas estrangeiras e das dificuldades que os alunos apresentavam na emissão dos fonemas de diferentes línguas e especificamente dos fonemas da língua francesa. Eles ouviam mal e a compreensão e a pronúncia sofriam as consequências.

As pesquisas apontavam desde o início para a importância da situação-contexto em cada ato de comunicação. Há, no mínimo, dois interlocutores implicados. As situações das quais nascem os ritmos, os gestos, a mímica, estão sempre carregadas de afeto. Guberina salienta que é esse o caminho pelo qual passam todos os bebês. Para que possam falar, comunicar-se, tem de existir primeiro uma situação que exija a fala. Essa situação-contexto favorece, incita a comunicação com gestos, as falas com diferentes entonações, ritmos, pausas, aquilo a que hoje denominamos mamanhês. As palavras que iremos usar na idade adulta terão múltiplas significações graças à diversidade das situações, entonações, ritmos, intensidade, tempo, e as diferentes pausas, gestos e mímicas inscritas na memória do corpo e do cérebro para uma língua definida desde a primeira infância. Ele denominou essas duas categorias de meios auditivos da comunicação e meios visuais da comunicação: os valores da língua falada.

Para Guberina, o espaço e a voz (no início grito e, depois, fala) estão intrinsecamente ligados. Para o recém-nascido, o espaço se atualiza nos seus movimentos, em tudo que seus sentidos podem receber dos estímulos que chegam até ele vindos do espaço. Os estímulos vêm do meio ambiente, do entorno do bebê, que olha, observa e enriquece. Deitado, observa os que o rodeiam e, sobretudo, os que cuidam dele: suas movimentações no espaço, as expressões de seus rostos enquanto se comunicam entre si ou a ele se dirigem. Poderíamos dizer que capta o clima geral da casa. Responde aos estímulos que recebe através do espaço, às movimentações e sonoridades produzidas pelos vários presentes, com movimentos do corpo inteiro – macro motricidade. Tudo isso é possível porque existe o espaço: a distância espacial permite movimentação e o ar que está nesse espaço permite as trocas sonoras. O espaço interfere no desenvolvimento motor, que, por sua vez, será preponderante para o desenvolvimento afetivo e mental, o qual, por sua vez, estimulará a primeira palavra, salienta Guberina. No seu artigo sobre espaço e fala, esse autor afirma que sem espaço aéreo o homem não existiria nem biologicamente nem como homo sapiens. O ser humano depende do espaço para se comunicar, seja no início, simplesmente para chamar o outro, seja para dar um grito de alerta para o perigo. Assim, o homem como ser social depende de tudo o que acontece no espaço. A possibilidade de produzir sonoridades ultrapassou as possibilidades da visão e do tato e, com isso, diz Guberina, o som da voz humana/a fala contribuiu para a comunicação produtiva entre os humanos. O som da voz humana é captado pelo sentido da audição, pelo ouvido, que tem hoje, como sempre teve, a função básica da orientação no espaço pela captação do som e pela percepção da direção de onde o som está vindo. É fácil concluir, então, que essa característica do ouvido é responsável pela boa orientação no espaço, o que ajuda sobremaneira quando há vários falantes num espaço maior. O bebê, desde seus primeiros arrulhos, utiliza, além da entonação e do ritmo, os gestos espontâneos, os olhos e a mímica do rosto para expressar suas necessidades e seus estados afetivos. Quando surge a primeira palavra, todos esses elementos a enriquecem com vários significados. A situação, o ritmo, a entonação, o gesto e a mímica darão à palavra ou palavras do bebê inúmeros significados. É nesse momento que ele começará a andar, a dar os primeiros passos. Estes, por sua vez, ampliarão o espaço a ser explorado, o que lhe permitirá acompanhar mais e melhor os acontecimentos ao seu redor e ajudar na melhor comunicação. Ao mesmo tempo, o ritmo, como esteio da marcha e da fala, junta (liga, unifica) o corpo do bebê no espaço – o ritmo do movimento e da mímica com o ritmo e a entonação da fala – numa unidade comunicativa de valor. As riquezas do valor da comunicação devem-se às ações (atitudes, maneiras) do corpo no espaço através dos gestos e da mímica. Tudo isso está presente ao longo de toda a vida do ser humano, nas brincadeiras, nas cantorias na infância, no uso do brinquedo para as dramatizações e, finalmente, para a fala bem construída e as capacidades de expressão tanto do intelecto quanto do afeto, da criatividade.

E podemos terminar essa curta apresentação do método verbo-tonal com a frase do seu inventor: “A linguagem existe antes de tudo para a transmissão do afeto, e são esses elementos suprassegmentais - entonação, ritmo e pausa - que o carregam”. E, ainda, nas palavras do Ajuriaguerra, voltando para a psicanálise:

“A importância que GUBERINA dá à estrutura de diálogo, suas observações sobre o papel das expectativas e dos desejos de cada interlocutor, introduzem na sua análise da linguagem a dimensão do investimento e da dinâmica prazer–desprazer. Todas as suas análises encontrariam um prolongamento muito fecundo e muito coerente com o conjunto de suas teorias em trabalho de tipo psicanalítico (...) A importância do investimento da linguagem não se mostra somente no tabu de certas palavras, nos lapsos ou nos esquecimentos, como mostrou S. FREUD, mas também, segundo ele, na construção da linguagem. Não se deve esquecer que outrem está sempre presente no desenrolar da linguagem e mesmo na sua formação. O ato da palavra endereça-se a outrem e implica um engajamento na relação. Banalizado, perde sua força de contato; personalizado, pode se tornar fonte de adesão passiva, fonte de agressão, fonte de liberdade ou de alienação. À medida que a linguagem se desenvolve, o sujeito se descobre face a outrem ou descobre, no diálogo, seus problemas pessoais ... Endereçando-se ao outro, o sujeito se reconhece e se descobre pelo eco de sua própria voz e encontra, na sua linguagem explicitada, tanto o que está implícito no que diz quanto o que poderia ser respondido” (AJURIAGUERRA, 15, P. 351-352).

Desde o início do trabalho com as crianças com autismo, eu me apoiava nas ideias do método verbo-tonal, e a primeira delas é: comece o trabalho pelo som que a criança produz sozinha. Dando en­tonação e ritmo, transforme isso em algo que passe então a ter um significado, criando, desse modo, uma situação-contexto afetivamente tão carregada que exija a comunicação. E jamais esqueça de que a fala, por mais simples que seja, só tem sentido carregada de afeto.

No meu trabalho com Julie, a primeira criança com autismo infantil que atendi em Paris, no Centro Alfred Binet, procurava transformar em brincadeira todo gesto, todo som e todo olhar, tentando dar sen­tido às repetições, ou reproduzindo tudo o que era captado no espaço do nosso jogo, para que houvesse continuidade no conteúdo das brincadeiras. Até hoje, esta é a posição-chave da técnica utilizada no CPPL no trabalho com crianças: "Jamais corra na frente. Vá atrás e transforme. Dê conteúdo constituindo a forma, e dê forma ao conteúdo".

Segundo Mira Stambak (STAMBAK, M. 1979) os bebês formulam questões diferentemente dos adultos, os identificam e acham soluções. As pesquisas feitas pelas equipes do CRESAS, nas creches, demonstraram essa capacidade dos bebês. Para o método verbo-tonal, trabalhar em grupo é uma exigência que vem do entendimento de que somos seres sociais, vivemos sempre em grupos, em espaços a serem explorados e compartilhados. Então, a fala acontece, sempre numa situação-contexto, reverbera dando a dimensão do espaço, situa os presentes e os envolve no diálogo, num ato de comunicação. Mais um achado téc­nico para a clínica da primeira infância: "Trabalhe em grupos com crianças. Deixe os meninos em paz. Eles sabem o que estão fazendo. Mas, fique de olho, porque eles estão vendo o seu olhar".

Esses são exemplos da influência do método verbo-tonal no dia a dia do CPPL. Mas aqui precisamos falar do silêncio como criador das narrativas. Guberina é enfático em insistir na pausa como um valor da fala imprescindível para o ato de comunicação.

O silêncio enquanto ausência das emissões sonoras não impede a comunicação se entendermos que o olhar também escuta e que a disposição a ouvir o que não foi dito transforma a narrativa sonora. Françoise Dolto, no seu texto “Silêncio, estou à escuta” (DOLTO, F., Solidão, trad. Ivone Benedetti, São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 127-32.) conta que uma mulher telefonou dizendo que estava internada no hospital psiquiátrico. Tinha sofrido uma descompensação. Não era dada a lamúrias, mas telefonou e contou que não aguentava mais. Que estava no hospital. Dolto prestou atenção no que ela dizia, ao contrário do analista desta pessoa que por certo a conhecia bastante. “Fiz análise por três anos e meio, quatro. Tudo parecia estar indo bem e, de repente, caí no buraco. Foram obrigados a me internar. Não que eu tivesse procurado por isso, não fiz nada contra, não fiz nada a favor, mas não conseguia mais trabalhar, ganhar a vida...” Dolto ouviu com atenção e disse: “É esquisito isso que a senhora está dizendo, que aconteceu depois de três ou quatro anos de análise.” E Dolto prossegue: “Eu só repeti o que ela tinha acabado de dizer, simplesmente. E acrescentei: ‘O que aconteceu quando a senhora tinha três anos e meio ou quatro anos de idade? Parece que a senhora está sofrendo por alguma coisa de sua mãe, não sua, pois naquela idade a senhora supunha que ia se tornar uma pessoa adulta como sua mãe. Será que ela, esse modelo, estava passando por um mau momento?’ Três dias depois, ela saiu do hospital. É que quando ela tinha de três anos e meio a quatro, a mãe dela foi deportada. “Para a criança”, escreve Dolto, “a mãe tinha sido levada embora, presa, encarcerada. E ninguém havia pensado que era aquilo que ela estava revivendo entre os três e meio e quatro anos de análise, revivescência, por identificação com a mãe, da necessidade de ser presa.” Essa senhora continuou a análise com seu analista, a quem contou sua conversa por telefone com Dolto e a descoberta que a fez relembrar esses acontecimentos, agora transformados numa narrativa que pode ser compartilhada com os familiares e com o analista. É verdade que ela passou uma descompostura no analista, que não tinha entendido nada do que tinha acontecido antes da internação. Mas este reconheceu sua falha, e cumpre dizer que ele não tinha abandonado sua paciente durante a internação, continuando o atendimento. Isso, com certeza, fez grande diferença em relação ao acontecido durante a guerra, quando a mãe desapareceu. “O analista”, acrescenta Dolto, “insistiu em ‘escutá-la’ e não em cuidar da angústia que paralisava a vida dela” mesmo durante a internação, deixando os “cuidados” por conta dos psiquiatras.

Mas o que gostaria de apontar aqui é também o silêncio do afeto. Tudo passou despercebido, era algo conhecido como parte da história da paciente, porém contado sem afeto e sem intensidade. Com a entrada de um terceiro, Dolto no caso, que repetiu a frase da senhora fora do seu contexto habitual, numa nova situação procurada pela paciente, foi possível juntar a lembrança e o afeto e contextualizá-la no tempo como algo que aconteceu com outra pessoa, o que resultou na perda que, agora, com o afeto correspondente, ela podia compartilhar com seu analista. Não foi mais necessário repetir porque foi possível narrar para si mesmo ou para outro, no caso, o analista. Mas era preciso inserir a distância entre o modelo de identificação e sua experiência da perda dele.

Tomas Ogden supõe que “estar só” ou “estar com a mãe” coexistam dialeticamente. Se continuarmos com as interessantes propostas do Ogden, devemos admitir a possibilidade de “que a vida psicológica não desabrocha exclusivamente dentro do contexto da mãe como ambiente.” Nas palavras dele: “desde os primórdios da vida psicológica (e ao longo da toda a vida) existe uma forma de experiência na qual a mãe, na condição de matriz psicológica, é substituída por uma matriz sensorial autônoma.” (p. 172) E continua, “ao substituir a mãe-entorno por uma matriz de sensação autônoma, o bebê cria uma pausa essencial na tensão (e no terror intermitente) inerente ao processo de vir à luz no âmbito de seres humanos vivos”.

Num artigo utilizei a metáfora do cobertor para falar das primeiras relações mãe-bebê, dessa unidade, para poder enfocar as relações que provêm do senso tátil, olfativo, auditivo do mundo das sensações, esse absolutamente individual mundo interno, que, no entanto, é o primeiro veículo com o mundo externo. As relações “iniciais” mãe-bebê são um território da comunicação, das trocas, afinal território precursor da comunicação à distância. Mas, para que a distância seja possível, é preciso que a presença entre em descontinuidade, parece que só a ausência pode afirmar a continuidade e a experiência do ser.

Pensar no cobertor também como aquilo que envolve o bebê, o sustenta e maneja. Vejo-o tendo várias funções, como aconchego, limite e apresentação do objeto, que, me parece, se for a contento dos envolvidos, permitiria que o sujeito psíquico aceitasse e usufruísse da sua capacidade de estar só na presença do outro.

Compartilho com Ogden a ideia de que deixar o bebê rejeitar o cobertor, deixá-lo nessa forma de isolamento e resgatá-lo de modo compassado e periódico, é uma parte essencial da qualidade rítmica precoce do desenvolvimento humano. No processo de um bebê se isolar, a mãe deve permitir que ele a substitua, exclua (oblitere sua existência tanto como objeto quanto como entorno).

Com muita frequência, uma das facetas mais difíceis de ser mãe, escreve Ogden, “... é a dor acarretada pelo sofrimento de não poder ser mãe. A mãe precisa tolerar a experiência de não existir para seu bebê sem ser tomada pelo sentimento de depressão, medo ou raiva. Ao invés disso, deve ser capaz de esperar enquanto seu ‘ser-mãe-como-entorno’ está suspenso.” Consentir que o seu filho tenha “seu santuário” onde se recolhe no silêncio possibilita primeiras experiências da descontinuidade.

Como vimos, a possibilidade de volta do santuário depende da presença sem exigência da mãe, ou seu substituto, depende da qualidade da atmosfera imediata na qual pudesse aterrissar sem se chocar. O grau de tensão provocado pela presença deve ser proporcional, penso, à capacidade da mãe de sustentar a sua própria vida pulsional e conceder presença dos vários que componham seu entorno, diversificando os encontros no meio ambiente.

O que o bebê pode sentir ou perceber, captar do mundo externo parece ser, num primeiro momento, tão inexistente, tão existente que lhe dá a possibilidade de reconhecer o que é de fora como seu. Depois e só depois poderia reencontrá-lo fora. Podemos imaginar um bebê com seu cobertor, algo que o envolve, como algo que também assinala os limites do corpo, ou melhor, torna os contornos do corpo aceitáveis, ou melhor sensíveis, ou melhor agradáveis. Funcionando como um cobertor, é o corpo da mãe que permite a constituição dessas sensações. Se o bebê e o cobertor, para ele, são a mesma coisa, vamos ter que pensar que o que mais importa é o adjetivo agradável.

No fim, para reafirmar o que vem sendo dito: no início da vida, ao mesmo tempo em que se configura a unidade mãe-bebê no sentido definido por Winnicott, existe um modo de funcionamento mental do bebê que dispensa a mãe como entorno e onde o bebê se refugia, como diz Thomas Ogden, no seu santuário.

Se dispensa a passagem de volta, dispensará o cobertor, levará para sempre na qualidade da sua voz, no ritmo e na entonação da sua fala, na percepção do mundo, na relação corporal com o outro uma singularidade estranha para aqueles que falam a mesma linguagem e terá dificuldades para construir narrativas.

A descontinuidade na relação mãe-bebê faz parte daquilo de que um bebê humano precisa para ascender ao mundo das relações intersubjetivas e a sua subjetividade. Esse seria o primeiro momento em que o bebê dispensa o cobertor, para continuar com a minha metáfora, sem a necessidade nem da presença perceptiva da mãe, nem da representação psíquica dela. Essa ideia de Ogden me é interessante e útil na medida em que permite povoar o mundo do autista e, para além desse interesse muito focado, contribui para fortalecer as minhas ideias sobre a descontinuidade como uma experiência fundamental em vários processos da constituição da subjetividade, tal como a experiência da continuidade de existência, constituição da representação do objeto, espaço transicional ou, como prefiro chamar, espaço potencial e linguagem.





[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, articuladora da Área Clínica no Conselho de Direção 2021-2023, Paulina Rocha é fundadora do CPPL.




 
 
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