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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    43 Setembro 2017  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

NOTÍCIAS DE UM DIÁLOGOS


CRISTINA PARADA FRANCH[1]


Em maio de 2017, o Projetos Terapêuticos realizou o encontro Diálogos Teórico-clínicos IV - Personalidades Adesivas: A turbulência en(cena). Esta série de encontros tem como ponto de partida uma questão clínica que emerge do cotidiano institucional, cotidiano submerso no desafio constante que é o trabalho com casos graves. Esse formato de encontro começou a ser pensado nos inícios do Projetos Terapêuticos, que já tem agora 17 anos. A necessidade de ampliar a compreensão daquilo que transborda e imobiliza a equipe nos move em direção a um interlocutor, em geral um psicanalista que esteja se dedicando ao tema. A proposta é que ele desdobre o campo teórico e em seguida o alinhave com o recorte clínico preparado por nós. A conversa é também aberta aos colegas interessados nos mesmos impasses.

O transbordamento e imobilização que desencadearam este último encontro se deu a partir do momento em que começamos a receber com maior predominância personalidades que, em seu funcionamento aditivo, criavam uma tal turbulência no setting que colocavam os terapeutas entre fazerem barragem à excitação ou serem continentes do vazio sem palavra. Sempre ameaçados pelo risco dos rompimentos abruptos e das passagens ao ato, muitas vezes violentas ou destrutivas.

A entrada destes pacientes nos grupos da programação institucional era seguida de fenômenos de implosão no funcionamento grupal. O desprezo pelo enquadre e os movimentos escusos de suas presenças rompiam a membrana grupal, que já era frágil e conquistada ao longo de muito trabalho. Perguntávamo-nos o que do funcionamento aditivo se colocava na impossibilidade do laço e inclusive se o setting grupal, tão importante para o trabalho do laço psicótico, poderia acolher esse tipo de funcionamento psíquico. Nos atendimentos com as famílias, as turbulências invadiam os finais de semanas e acionavam uma rede de terapeutas em múltiplas ligações telefônicas para dar conta dos riscos de vida e da violência. O que se falava parecia não se inscrever, era tão fugaz como escrever na areia da praia. A reunião clínica era também invadida e por vezes nos percebíamos aderidos à discussão de um único caso durante toda a reunião.

O tipo de funcionamento que apresentam inclui as adições, mas não se circunscreve aos quadros de drogadição mais comumente conhecidos, pois outros tipos de adição se somam ao uso de drogas: compulsão alimentar, tatuagens quase que compondo uma nova pele, fusões nas relações amorosas... Chegam a nós, em geral, depois de alguma ou algumas tentativas de tratamento no campo das drogadições, com poucos resultados. Reconhecíamos nesses casos uma desorganização psicótica encoberta, editada pela dinâmica aditiva e assim sendo, mais do que não responder a determinadas formas de abordagem terapêutica, constatávamos um grave desgaste e acirramento do sofrimento individual e familiar, que repetiam as tentativas de controle e sanções punitivas, muitas vezes aprendidas nos tratamentos tradicionais da adição.

Marcelo Soares, psicanalista dedicado ao estudo dessas personalidades fronteiriças, foi nosso convidado para a interlocução neste encontro. Ao fazer o movimento para fora, a instituição abre o campo que tão facilmente pode ficar obturado na reprodução dos sintomas que tratamos. Vemo-nos assim convocados para a discussão e interlocução teórico-clínica, convocados a fazer a passagem de um relato de caso para um caso clínico. Sem que se pretenda uma qualidade literária, é necessário que o recorte clínico transmita uma construção que visa menos a apresentar o caso em toda sua exatidão do que a traduzir a pesquisa do fio da verdade que ele testemunha.

Essa tessitura se dá na composição de vários movimentos no campo institucional, antes do encontro acontecer. A bibliografia sugerida por Marcelo, procedimento característico da proposta dos Diálogos Teórico-Clínicos, torna-se eixo condutor dos grupos de discussão que metabolizam a experiência clínica a partir do suporte teórico, tendo a reunião clínica institucional como destino de continuidade dessas discussões, ampliando o campo de visão e compreensão. Ao mesmo tempo, a escolha de recortes clínicos vai sendo sugerida pela equipe. Um grupo se reúne no alinhavo dos fragmentos daquilo de que ainda não temos clareza, trabalho artesanal para encontrar a afinação ilustrada da questão que nos inquieta.

Esse importante processamento prévio desaguou nos dois dias de encontro do Diálogos, o primeiro dedicado à discussão teórica em que Marcelo fez uma exposição do recolhido da bibliografia sugerida e de seu estudo no mestrado e doutorado; e o segundo em que apresentamos o caso clínico já construído com nossas questões entremeadas. A discussão testemunhada pelo fora fecunda o campo institucional e o alimenta para a continuidade.

Como pensar transformações no ambiente institucional que possam circunscrever a turbulência que essas personalidades adesivas portam?

Bollas (2003) em seu trabalho “O desejo borderline” propõe que esse tipo de organização psíquica desenvolve uma adição ao tumulto e às tempestades emocionais, buscando através dessa experiência turbulenta um reencontro com o objeto primário, única forma conhecida para unir-se a ele.

O desafio a partir desse Diálogos será a construção de novos enquadres para o acolhimento dessas psicopatologias que vêm ganhando predominância no mundo contemporâneo.

Bibliografia
Bollas, C. (2003). O desejo borderline. In Percurso, 30-I, 5-12.

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Coordenadora do Núcleo de Transmissão e Investigação do Projetos Terapêuticos, onde foi co-coordenadora, junto com Moisés Rodrigues da Silva Jr., do encontro Diálogos clínicos IV – Personalidades adesivas: a turbulência (en)cena.




 
 
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