NOTAS SOBRE PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA NA EXPERIÊNCIA PSICANALÍTICA CONTEMPORÂNEA: ASSOCIAÇÕES LIVRES ENTRE ANALISTA, ANALISANTE E O TRABALHO COLETIVO DO PENSAMENTO [1]
SÍLVIA NOGUEIRA DE CARVALHO [2]
Desde seus primeiros tempos, a psicanálise freudiana fundou o tratamento psíquico orientado pela interpretação da associação livre do analisante - possibilidade sustentada pela neutralidade acolhedora da atenção flutuante do analista, que se põe à escuta do retorno do recalcado... Mais além, desde a virada dos anos 1920, o método psicanalítico também abarca a construção de processos de simbolização que é possibilitada pela entrada em cena dos esforços de representação empreendidos pelo analista diante daquilo que o analisante não pode representar.
A elasticidade de Ferenczi, o holding de Winnicott, a rêverie de Bion, o enquadramento do setting de Bleger, a interpretação da contratransferência e a capacidade imaginativa de Green e de Roussilon compõem as estações percorridas por Octavio Souza para intrincar à experiência psicanalítica a psicoterapia que modifica a psicanálise clássica em função de suas condições contemporâneas de existência.
Não se trata, porém, de estabelecer dois processos clivados, destinando à neurose a interpretação da conflitualidade pulsional e à não-neurose a regressão a uma relação de confiança que possibilite a integração psíquica que o trauma impediu de realizar. Ao priorizar as questões relativas à constituição da subjetividade, Octavio reitera a decisão de "abrir o diafragma da teoria", conforme o dizer de André Green. Encontra, por sua vez, no ensino do último Lacan a noção de nodulação que libera o campo lacaniano do traçado principal da psicanálise intensiva ou dos termos estritos da passagem do lugar do analisando para o lugar do analista. A concepção de que os registros do real, do simbólico e do imaginário podem se nodular de diversos modos retiraria o estatuto de dominância do simbólico e a centralidade atribuída ao complexo de castração, admitindo, na condução da análise, a participação dos processos imaginativos do analista que contribui com o pouco de si necessário à sua função libidinizante - como o fazem os contemporâneos que pensam sua prática nos termos dos processos de simbolização.
Por fim, a partir das conceitualizações de Daniel Widlöcher a respeito da pesquisa em psicanálise, o autor nos leva a intrincar o trabalho do analisante, o trabalho do analista e o trabalho de um terceiro, real ou simbólico, ao qual o analista necessariamente se refere. A esta condição do analista, Widlöcher chama supervisão generalizada. Articulando-a à concepção freudiana de transferência generalizada (Birman, 1996) ocorreu-me desenhar um nó para o efeito sujeito da psicanálise:

Entre analista e analisante, a associação livre que circula;
Entre analista e o terceiro, a supervisão generalizada;
Entre analisante e o terceiro, a elaboração imaginativa sustentada pelos ditos e escritos que constituem nossa possibilidade de transitar no espaço cultural.
Afeita à distinção entre as várias instâncias dos processos representacionais - "desde o nível protorrepresentacional da moção pulsional e do representante psíquico da pulsão, até o nível representacional do afeto e das representações de coisa e de palavra" (Green apud Souza, p. 32), essa articulação transversalizaria clínicas heterogêneas, embaralhando imaginativamente as cartas de sua incessante recriação.
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[1] Leitura do artigo de Octavio Souza, "As relações entre psicanálise e psicoterapia e a posição do analista" em
Elasticidade e Limite na Clínica Contemporânea: Escuta 2013.
[2] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e da equipe editorial deste
Boletim Online. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo.