SÍLVIA NOGUEIRA DE CARVALHO [1]
Ia fechando a porta quando o avistei. Não havia onde deixar por ali a pequena sacola que carregava comigo e, gentil, ele me disse: Pode deixar que levo pra você. Aceitei, entregando com ela os dois frascos que restavam à espera.
Chamei o elevador com a chave em mãos. Ocupado. Deixei pra descer na viagem seguinte.
Entre máscaras, abriu-se o tempo para que ele me interpelasse. Sem fitar-me, distraído no passeio do rodo pelos quatro cantos do hall, perguntou: Esse tem cheiro bom?
Aturdi, respondi: Sim, um cheiro bom.
Pausei, perguntei: Você teve Covid?
Tranquilo, disse que não: Foi um febrão em novembro; quando passou, o olfato sumiu. Às vezes ele aparece, diz que volta.
O elevador volta vazio.
Já vai?
Sim!
Volta hoje?
Não mais.
Bom fim de semana então!
Também para você, grata por seu trabalho, está ficando muito bom!
O verso desce comigo: Você precisa saber… Baby, de que vale agora vivermos na melhor cidade da América do Sul?
Atravesso o hall do térreo. Lá fora a mensagem celular me chama. Nova charge de Laerte pousa sob meus olhos, em instantânea figura daquele encontro fugaz: Parece voar. Parece dançar. Parece atender online.
Hoje eu vi um anjo.
26 de fevereiro de 2021
[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.