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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    16 Abril de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

BOAS VINDAS À TURMA DE 2011


No dia 03 de março, primeira quinta-feira do ano letivo, os professores do Curso de Psicanálise prepararam, como de costume, um encontro de recepção para os alunos que iniciam esta etapa de sua formação. É um momento onde se faz  uma fala de boas vindas, a apresentação dos professores e supervisores que coordenarão as atividades do ano e uma apresentação mais ampla do que é esta instituição e do que é o Departamento de Psicanálise. Além disso, os alunos receberam neste dia o livro História do Departamento de Psicanálise - uma outra forma de irem se apropriando de seu pertencimento a esta instituição.

A seguir, o Boletim Online publica a fala de abertura do encontro, que esteve a cargo da professora Maria Laurinda Ribeiro de Souza.

Em nome do grupo de professores, quero dar-lhes boas vindas a este espaço de formação compartilhando com vocês algumas ideias que me ocorreram em função deste momento.

Primeiro gostaria de situá-los brevemente em nossa história e no lugar em que convivemos institucionalmente. O Sedes tem sido reconhecido, há muitos anos, por sua preocupação com a diversidade de suas propostas de formação e com o ideal de que as palavras singulares tenham espaço reconhecido no coletivo. Essa é uma marca construída desde seu passado histórico e político.

A origem deste curso, na década de 70, estava permeada por essa realidade; pretendia-se instituir um corte com as verdades ditas únicas e oficiais e experimentar uma nova formação possível de psicanalistas. De lá para cá, o curso teve várias configurações, mas em nenhum momento se abandonou a ideia de uma construção incessante a ser processada – tanto por parte dos que aqui já estão quanto por aqueles que chegam com uma série de expectativas, de apostas, de desejos. No livro que vocês receberão hoje, há um recorte dessa história – é uma forma que encontramos de lhes contar um pouco mais do que vocês já sabem – sobre nossa instituição.

Se Freud, já num momento bastante avançado de sua obra, pôde afirmar  que a psicanálise encontra fortes resistências por ter, entre outras razões, infligido aos homens uma terceira ferida narcísica (a primeira, provocada por Copérnico quando afirmou que a terra girava em torno do sol e a descentrou de seu lugar de referência e, a segunda, por Darwin, ao afirmar que nossa espécie não está na origem do mundo) ao descentrar o ego e a consciência de seu lugar prioritário no psiquismo, isso, no entanto, não o levou a considerar esse novo campo do saber como algo totalizante e definitivamente acabado. Pelo contrário, ao reconhecer a força imperativa das pulsões e da destrutividade humana, declarou a impossibilidade deste ofício. Como sabemos, para ele, Educar, Governar e Analisar são profissões impossíveis. A impossibilidade nos remete não ao ato analítico, que é potencialmente disruptivo e inovador, mas antes, à ideia de uma verdade totalizante que tornaria desnecessária a transformação criativa da história.

Estas afirmações, que parecem tão corriqueiras e banais, uma espécie de dito politicamente correto nos tempos de hoje, não podem, no entanto, ser rapidamente banalizadas. Abramos um pouco o território de nosso olhar – todas as revoltas que se espalharam rapidamente pelo mundo árabe – Tunísia, Egito, Líbia – estão colocando em cheque o autoritarismo do poder e a falta de espaço para os discursos dissidentes. Foi a ação audaciosa dos jovens – que romperam com a apatia dos mais velhos, descrentes de que seria possível uma mudança – que, fazendo uso das novas formas de comunicação, transgrediram as proibições seculares e garantiram a circulação das informações, iniciando um processo significativo e intenso de revoltas.

A tirania, o fanatismo, o fundamentalismo, o discurso absoluto do narcisismo, só se mantêm pelo exercício da violência e pelo silenciamento de outras verdades possíveis. Serge Leclaire (2001), em seus escritos clínicos, ao falar sobre a dificuldade de se “fazer a diferença”, afirma: “ainda não chegamos lá, ainda estamos em guerra. O poder do império das palavras mortas – as das verdades absolutas – ainda é muito forte. .. Qual é o motivo dessa guerra? Continuar a impor ao outro que ele seja o mesmo ... é a guerra e o que domina nas relações entre sujeitos são os efeitos da colonização” (p.39).

Voltemos, agora, o olhar para uma outra cena. Talvez vocês já tenham assistido ao Cisne Negro, filme que teve uma grande divulgação e cuja atriz Natalie Portman ganhou o Oscar de melhor atriz. Dele vou destacar apenas dois grandes conflitos e a impossibilidade de sua convivência – a luta entre o Bem e o Mal – personificada no Cisne Branco e no Cisne Negro, e o conflito intrusivo de uma mãe sobre o corpo e o desejo de uma filha. Sobre isso teríamos muito o que pensar... e a jovem bailarina teria um longo percurso a realizar – não só na aprendizagem dos passos e da coreografia, mas, fundamentalmente,  na aprendizagem da convivência com o bem e o mal dentro de si e com a suportabilidade do desamparo que lhe permitisse o afastamento das Erínias maternas. Na impossibilidade dessa convivência, o que a jovem bailarina tenta conquistar é a perfeição; esforço que, tal como ocorreu a Narciso, só poderá levá-la à morte.

No filme, há pouco  lugar para a sublimação, para o prazer advindo do encontro com o corpo em seu deslizamento pelo espaço, para a solidariedade, para uma passagem simbólica do lugar de uma geração à outra... Os erros, as dificuldades, os medos e a angústia são vividos como impedimentos; não têm acolhida no corpo de baile – são alucinados. Se o mundo nos oferecesse apenas esse palco, só nos restaria encenar tragédias, ou, como divulgam os jornais, “longas de terror psicológico”.

Mas Leclaire nos aponta outra via na continuidade de seu texto: “Entretanto, já sabemos, pelo simples fato de que possamos falar disso como fazemos agora e como outros fazem em outros lugares, que quando o outro, o sexo, isto é, a diferença, estiver verdadeiramente presente e não apenas re-presentado, faremos talvez outra coisa, talvez amor”.

Uma outra via nos é oferecida por Freud quando, num texto de 1927, nos fala sobre o valor dinâmico do humor e cita o exemplo do réu que, ao ser conduzido à forca, em plena segunda-feira, exclama: “Linda maneira de começar a semana!” , ou quando pensamos, por exemplo, no conto infantil onde a criança – distante da sujeição ao poder soberano – denuncia que o rei está nu. Curiosamente, o que Freud destaca nesse momento é o outro lado do narcisismo – sua força estruturante; o humor, diz Freud, não é resignado, ele é rebelde e, desta forma, consegue triunfar sobre a adversidade das circunstâncias reais e preservar o terreno da saúde psíquica.

Temos ainda uma outra saída e essa nos é dada por um poeta – Paulo Henriques Brito. “A saída, diz ele, é falar, falar muito. São as palavras que suportam o mundo, não os ombros. Sem o “porque”, o “sim”, todos os ombros afundavam juntos. Basta uma boca aberta (ou um rabisco num papel),  - ou tal como no Egito – um site aberto – para salvar o universo.  Portanto, meus amigos, eu insisto: Falar sem parar. Mesmo sem assunto”. Essas falas podem ser um primeiro ensaio – um bom início de revolta. Um jeito possível de recomeçar ou começar uma nova história.

Então, para alinhavar um final, nossas boas vindas trazem o desejo de que construamos uma boa convivência com os conflitos inevitáveis, de que mantenhamos os olhos e a escuta aberta para as diferenças, de que possamos respeitar a circulação das palavras  e que tudo isso seja feito com uma dose razoável de humor. Mais do que isso, seria abusar do poder divino!

Referências bibliográficas:

Britto, P.H. Macau. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003

Freud, S. 1927 [1928] “El Humor”. Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1973, tomo III.

Leclaire, S. Escritos clínicos. R. Janeiro: Zahar, 2001.

(1) Psicanalista, membro de Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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