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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    49 Abril 2019  
 
 
MAL-ESTAR NA CIDADE

NOTÍCIAS SOBRE O LANÇAMENTO DA COMISSÃO ARNS EM DEFESA DA VIDA


MARIA BEATRIZ COSTA CARVALHO VANNUCHI [i]



Dia 20 de fevereiro de 2019, no Largo de São Francisco no centro de São Paulo, aconteceu o lançamento de uma nova comissão de trabalho, um grupo formado por ex-ministros, juristas, cientistas políticos, professores e pesquisadores para monitorar os Direitos Humanos no Brasil hoje: a Comissão de Defesa de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns [ii].

Havia muita gente e o início da cerimônia estava marcado para às 11hs. As 11 horas em ponto não só a Sala do Estudante [iii]estava lotada, como o seu entorno estava repleto de cidadãos, representantes dos movimentos sociais, do mundo político partidário, de dirigentes de diversas instituições, de professores e estudantes. Era muita, muita gente, que ali estava para presenciar um evento que anunciava o alento de uma resposta a esses tempos sombrios.

Inspirada na atuação do próprio Cardeal Arns junto à Comissão de Justiça e Paz, símbolo de resistência ao arbítrio na ditadura civil-militar entre 1964/1985, esta comissão foi constituída por figuras emblemáticas nos DDHH e faz não apenas uma homenagem, mas um alerta: estamos aqui e estamos atentos! Sua proposta é acompanhar e apoiar as investigações para os casos de violações dos direitos de cidadania no país.

O discurso de abertura da comissão coube à Margarida Genevois, sua presidenta de honra. Em suas palavras: “Convivemos com violações aos direitos humanos contra mulheres, jovens, negros, indígenas e a população LGBT, moradores de periferias e famílias em zonas de barragens, entre outros muitos. Vemos articulações com propósito de fazer retroceder conquistas firmadas na nossa carta magna, a Constituição de 1988, e nos surpreendemos com estranhas manobras para que o Brasil abandone compromissos assumidos, não só a declaração de 1948, mas quatro convenções e tratados.”

Entre aqueles que saudaram a fundação da Comissão Arns, ressalto as falas acerca da escalada da violência jurídica e prisional hoje no Brasil, situando-a como o nosso maior desafio no momento. Ali foi dito, mais de uma vez, que podemos caracterizar a política brasileira de hoje como uma necropolítica,ou uma tanatopolítica, por se orientar em relação à morte, por ter a morte como forma de organização da vida coletiva. A condescendência com a prática da tortura e a autorização para matar “a periferia, que é real e simbólica, em favor de um centro, também sempre real e simbólico”, caracteriza esta tanatopolítica.

Também entre os que deram boas vindas à nova comissão, houve o apontamento de que a violência jurídica hoje no Brasil está apoiada na vigência da doutrina do direito penal do inimigo político, pela qual certas pessoas não deteriam todas as garantias e proteções penais e processuais penais asseguradas aos demais indivíduos, por serem consideradas inimigas da sociedade ou do Estado. Em nome da defesa da sociedade, as garantias penais mínimas consagradas pelas constituições e pelos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, tais como a presunção de inocência, a vedação da condenação sem provas, o princípio da legalidade, a neutralidade do julgador, a proibição da tortura, bem como o impedimento de obtenção de provas por meios ilícitos, não se aplicam aos proclamados “inimigos da sociedade”.

Embora a utilização do direito penal do inimigo não seja uma novidade do juiz Moro, uma vez que nas operações policiais nas comunidades mais pobres e nas periferias a regra tem sido tratar tanto os criminosos como a população em geral de maneira equiparada a inimigos sociais, a ação da Lava Jato tem se baseado fortemente nesta doutrina.

Encerro esse breve relato com as palavras de Paulo Sergio Pinheiro, presidente da Comissão Arns:
“Sabemos de antemão que a Comissão não será aquela dos nossos sonhos. Tampouco será dos sonhos de qualquer de seus membros fundadores. Por construção, a Comissão terá que negociar seus focos e modos de agir entre atores de diferentes colorações políticas e partidárias. Dissonância que afasta a Comissão de sonhos individuais, mas que pode criar união para resistir à barbárie (...) É uma luta diária, que requer energia, pois permanente deve ser a defesa da democracia, dos direitos e da liberdade”.

O lançamento da Comissão Arns é um alento, mas também uma convocação a cada um de nós como cidadãs e cidadãos e como psicanalistas. Uma sociedade tomada pela lógica da tanatopolítica, com a espetacularização do ódio e a evidente perda do pacto de civilidade torna-se um caldo de cultura da pulsão de morte. E, desde Freud, sabemos que silenciar passivamente frente a uma onda deste tipo nos faria cúmplices de uma modalidade de laço social de incremento da crueldade e do sadismo, lançando os sujeitos à falta de escolha e à morte ou aos duros e estreitos caminhos da economia psíquica de sobrevivência.

Leia também:
Comissão Arns: uma frente pela preservação da vida
por César Locatelli, Jornal GGN - 21/02/2019
https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/03/15/conquista-da-democracia-foi-para-os-brancos/



[i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

[ii] Membros da Comissão Arns: Margarida Genevois (presidente de honra), Paulo Sérgio Pinheiro (presidente), André Singer, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Ailton Krenak, Belisário dos Santos Jr., Claudia Costin, Fábio Konder Comparato, José Carlos Dias, José Gregori, José Vicente, Laura Greenhalgh, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Felipe de Alencastro, Maria Victoria Benevides, Maria Hermínio Tavares de Almeida, Oscar Vilhena Vieira, Paulo Vannuchi, Sueli Carneiro e Vladimir Safatle.

[iii] Sala do Estudante - Lugar de articulação do movimento estudantil durante a ditadura civil-militar 1964/1985




 
 
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