PUBLICAÇÕES

    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    51 Setembro 2019  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

ABERTURA DO DIA FLAPPSIP


SILVIA LEONOR ALONSO [i]



Agradeço a presença de todos e a disponibilidade para participar deste sábado de debates, que nomeamos Dia FLAPPSIP.

A FLAPPSIP (Federação latinoamericana de psicoterapia psicanalítica e psicanálise), fundada em 1998, congrega associações de psicanálise de diferentes países da América Latina:

1- Duas da Argentina: Asociación Escuela Argentina de Psicoterapia para Graduados (AEAPG) e Asociación Argentina de Psiquiatria y Psicologia de la Infancia y Adolescencia (ASAPPIA);
2- Sociedad Chilena de Psicoanálisis (ICHPA);
3- Asociación Uruguaya de Psicoterapia Psicoanalítica (AUDEPP);
4- Três associações do Perú: Asociación Peruana de Psicoterapia Psicoanalítica de Niños y Adolescentes (APPNA), Asociación de Psicoterapia Psicoanalítica (ADPP) e Centro de Psicoterapia Psicoanalítica de Lima (CPPL).
5- Três do Brasil: Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEP de PA), Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro (CPRJ) e nosso Departamento, com pertencimento à Federação desde 2017.

O mais recente Congresso de FLAPPSIP, o décimo Congresso, se realizou em Montevidéu (Uruguai), nos dias 24, 25 e 26 de maio deste ano. O Congresso foi nomeado Figuras atuais da violência, Desafíos à Psicanálise Latinoamericana . Em seu texto de fundamentação, podemos ler: “A notável severidade com que se apresentam as violências em nosso continente, e as consequências sobre a subjetividade, nos orientou na escolha do tema (...). Propomos abordar o tema desde o lugar da agressividade na estruturação subjetiva. A partir daí procuraremos uma articulação com as modalidades que adotam hoje as manifestações das violências em nossas comunidades, o que requer examinar as determinações que propiciaram a fragmentação dos laços coletivos e a quebra dos pactos interhumanos, dando origem a novos modos de exclusão e segregação e a formas de dessubjetivação inéditas. Resulta necessário que nos interroguemos acerca das condições de produção de violências nos vínculos, desde os mais fundantes (parentalidades, família, filiações, casais, entre outros), até as estruturas sociais mais amplas que sustentam ou repetem diferentes formas de violência (...). Continuar pensando rigorosamente sobre esta questão crucial constitui um imperativo ético e uma exigência clínica inevitável”.

Ou seja, a proposta foi pensar o tema da violência, tema presente no desenvolvimento freudiano desde o início na forma de conceitos como agressividade, sadismo e ódio, mas que certamente interrogou a psicanálise com maior força a partir da terrível experiência da guerra. Por que a guerra? é o título do texto da correspondência entre Freud e Einstein. Interrogação que não cessa; pelo contrário, se intensifica a cada dia e se desdobra: interrogação pela maldade humana, pela crueldade, pelo terror e pelo mal. Se bem que o tema da violência estivesse presente no pensamento de Freud, foi em 1920, depois da guerra, que ascende ao mesmo status que a libido e vira seu oposto na divisão Eros/Thanatos.

Agora, o chamado ao Congresso localizou a interrogação sobre a violência num marco de tempo e espaço, na atualidade e na realidade política e social de América Latina.

Perante o chamado ao Congresso, muitos colegas responderam e se engajaram com força na escrita de trabalhos. Foram apresentados 32 trabalhos de membros do Departamento no Congresso, que serão apresentados hoje aqui neste evento e colocados em debate.

Se tantos colegas se mobilizaram para escrever, deve ter sido porque o Congresso e sua proposta temática apareceu como um espaço de acolhida das intensidades pulsantes no campo analítico e agudizadas pelo momento social e político que estamos vivendo. Intensidades que estavam em busca de palavras e de escuta, famintas de espaço para serem colocadas e de trocas que permitissem algum trabalho de elaboração do que está sendo vivido. Um espaço onde o pensamento fosse possível. Mas penso também que, junto a este momento mais pontual, o momento político, uma necessidade de abrir-se para a conversa com outras instituições que contam as histórias da psicanálise em outros países da América Latina e deles próprios, estava latente no Departamento fazia tempo. Esta vontade é antiga entre nós, digo isto porque já se passou bastante tempo desde o momento em que, como desdobramento dosEstados gerais da psicanálise, surgiram os Encontros latinoamericanos, que também tiveram, dos colegas de nosso Departamento, uma participação forte e excelentes experiências de trocas feitas nesse contexto. Estes se encerraram mas, desde lá, em alguns momentos, em algumas gestões do Conselho de Direção, a conversa sobre o desejo de encontrar uma rede latinoamericana ressurgia. Na gestão na qual participei fizemos um estudo sobre as possibilidades de redes existentes e, já nesse tempo, a FLAPPSIP aparecia como possibilidade de inserção. Passaram-se vários anos até se concretizar esta inclusão, mas para mim e para outros era um sonho antigo, é isto que os coletivos institucionais possibilitam: que os sonhos de alguns vão se somando, cobrando força e acabem como sonhos coletivos que se concretizam em projetos - de formação, de publicação, de uma rede de trocas...

A sede da FLAPPSIP muda de dois em dois anos; no período 2015/17 ela foi Porto Alegre, o que facilitou as conversas, o aprofundamento da regulamentação e o processamento da inserção. Vale dizer que o CEP de Porto Alegre mostrou um interesse grande na inclusão de outras associações brasileiras, tanto que, ao mesmo tempo que o Sedes, se incluiu também o Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro.

Entendo que alguns pontos nos fizeram decidir pela participação:

1-Cada associação da Federação funciona com parâmetros próprios, não há imposição de critérios formativos nem organizativos pela Federação. Esta se mantém no lugar de sustentação da rede de trocas entre as associações, trocas que se realizam nos congresso bianuais, nos simpósios bianuais, através da publicação da revista virtual Intercambios Psicoanalíticos, nos cursos virtuais que um integrante de uma associação pode oferecer para todas as outras, nos tradicionais eventos Dia FLAPPSIP, ou nas Mesas FLAPPSIP que se incluem nas atividades científicas das associações federadas, com convidados de outras das associações;
2- Todas as associações federadas incluem membros de uma multiplicidade de pensamentos, ou seja, não se definem como seguidores de uma linha teórica ou de uma “escola”;
3- Talvez o mais importante: todas elas sustentam uma psicanálise aberta à realidade social, política e cultural do seu entorno, ou seja todas estão comprometidas com a realidade do seu tempo. Os temas escolhidos para os congressos bianuais são uma excelente mostra disto. O Congresso de 2017 se nomeava A psicanálise num mundo em transformação. Bem, uma psicanálise que dialoga com seu tempo só pode ser uma psicanálise que se transforma, que se reformula, que se repensa a partir das interrogações que seu tempo lhe coloca. Uma psicanálise em movimento.

Uma vez que decidimos pertencer à Federação, contamos com todo o apoio da Diretoria do Sedes, que nos ofereceu o suporte jurídico para levar em frente esta filiação e, portanto, temos que a eles agradecer. Assim como aos colegas que integraram o Conselho de Direção 2016/18, que muito trabalharam para que isto fosse possível. Não posso deixar ainda de agradecer a Claudia Dametta, que com sua eficiência e dedicação nos permite ir resolvendo os obstáculos cotidianos dos percursos institucionais.

Como delegada do Departamento na FLAPPSIP trabalhei nos dois anos anteriores junto a Roberta Kehdy e agora junto a Mara Selaibe, ambas articuladoras de Relações Externas do Conselho de Direção do Departamento, e do chamado grupo de apoio FLAPPSIP, com o qual se discutem todas as decisões, agora integrado por Danielle Breyton, Helena Albuquerque, Mario Fuks, Roberta Kehdy e Cristina Herrera, neste momento em licença da função.

O evento de hoje faz parte da sistemática do funcionamento da FLAPPSIP, no caminho de incluir cada vez mais a federação na vida das associações, após as trocas entre instituições no Congresso, no retorno.

As 16 mesas de hoje incluem então os 32 trabalhos levados ao Congresso em maio, nos quais os autores abordam as diferentes faces da violência. Os autores apresentarão, nas mesas, trabalhos que tematizam: alguns, a violência na clínica, na transferência e na contransferência no percurso de uma análise; outros, nos ataques aos vínculos favorecidos pelas violências narcísicas. Outros nos conduzirão a entender as violências e a vulnerabilidade nos fundamentos da estruturação psíquica ou as violências nas organizações psicopatológicas mais presentes nos tempos atuais. Ou os sintomas sociais que se impõem com força no nosso tempo. Outros nos conduzirão às zonas fronteiriças onde os cruzamentos entre psicanálise e política encontram as violências de Estado, as violências sociais e seus efeitos na subjetividade, nas relações e nas instituições, nos serviços de saúde. Ou nos levarão aos lugares onde as violências traumáticas, pelas perdas das pessoas ou dos territórios, esfacelam as famílias e desorganizam os psiquismos. Ou onde as violências segregatórias acrescentam sofrimentos desnecessários. Onde as políticas neoliberais desmancham os serviços de atendimento à saúde. Trabalhando às vezes nos limiares com outras disciplinas para poder dar conta da complexidade das questões. No trabalho permanente de enriquecer a psicanálise sem perder a psicanálise, na medida em que continuamos encontrando nela os melhores instrumentos para pensar as construções subjetivas.

Nos debates de hoje, talvez uma bússola importante a manter sejam duas perguntas:

1- O que a psicanálise tem a dizer de todas estas realidades?
2- Como todas estas realidades fazem a psicanálise se repensar?

Os trabalhos dos autores debatem também como encontrar saídas possíveis frente às marcas das violências, seja pelos caminhos sublimatórios numa análise, pelas aberturas criativas da arte, pelos processos de elaboração dos traumáticos, pela recuperação da memória histórica, pelo compartilhamento das histórias familiares e sociais destituídas pelas situações traumáticas, pela recomposição das narrativas através das grupalidades e da construção de projetos.

Numa das mesas está incluído o texto da Flávia Gleich: Do silêncio ao testemunho. Uma história de Belo Monte. Em cada Congresso de FLAPPSIP, acontece o Concurso Jorge Rosa, ao qual os analistas em formação - em nosso caso, os alunos do Curso de Psicanálise - podem enviar trabalhos sobre o tema do Congresso. Neste último, o concurso foi ganho por Maria Vitória Patron de AUDEPP, e Flávia recebeu menção honrosa e apresentará hoje seu trabalho para nós. Também é tradição da FLAPPSIP a apresentação no Congresso de uma peça de teatro, com direção e apresentação de psicanalistas da Federação. Neste caso a peça apresentada foi O infinito espaço de um divã e do Sedes participaram Mariana David e Anna Helena Haddad.

A experiência de participação no Congresso de Montevidéu foi para os que nele estivemos muito interessante. Por um lado, foi um momento em que a potência do pensamento psicanalítico do Sedes se fez presente, na multiplicidade dos trabalhos, na qualidade das produções, no reconhecimento que as outras instituições demonstraram pelos nossos trabalhos. Por outro, acho que foi um momento de fortalecimento dos vínculos entre colegas. Às vezes acontece que o encontro com o familiar, no âmbito conhecido e cotidianamente compartilhado, parece ressaltar os pontos escuros das rivalidades, das disputas por espaços; ao contrário, e este foi o caso, o encontro com o familiar em território estrangeiro estimula a amizade e o lúdico. Os grupos de colegas nas ruas de Montevidéu, nos restaurantes e bares se viam muito alegres, pareciam fazer um bom exercício dos encontros lúdicos e amistosos.

No retorno, foi iniciativa do Boletim Online do Departamento registrar as vivências e solicitaram para quatro colegas - Dedé Ribeiro, Ludmila Frateschi, Roberta Ventura e Tide Setubal - escreverem cada qual uma crônica sobre o encontro, que foram publicadas no Boletim número 50. Sílvia Nogueira teve a generosidade de editar alguns trechos das mesmas, escolhidos junto às autoras e que vamos mostrar agora para vocês.

Temos agora uns minutos para todos se distribuírem nas mesas para começarem os trabalhos e voltaremos aqui ao auditório à tarde para o fechamento.

Um ótimo e produtivo trabalho para todos.





[i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise, coordenadora do grupo O feminino e o imaginário cultural contemporâneo e delegada na FLAPPSIP.




 
 
Departamento de Psicanálise - Sedes Sapientiae
Rua Ministro Godoi, 1484 - 05015-900 - Perdizes - São Paulo - Tel:(11) 3866-2753
www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/