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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    57 Novembro 2020  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

UM ANO DO EVENTO GENERIDADES: SEXO, GÊNERO E DESEJO


MARGARIDA (KIKA) MELHEM
NOEMI MORITZ KON
CHRISTIANA CUNHA FREIRE[1]


Há exato um ano o Sedes sediava o primeiro evento do grupo de trabalho Generidades vinculado ao Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Esse é um texto comemorativo e explicativo do que foi para nós organizar este evento a partir da construção do nosso trabalho nesses últimos quatro anos de existência.

O Generidades é um grupo de trabalho e pesquisa que iniciou suas atividades mais especificamente em agosto de 2016. O intuito da criação desse espaço de troca veio da necessidade de se construir diálogos e reflexões teóricas sobre questões de gênero e psicanálise.

A partir do trabalho clínico com pacientes transexuais nos serviços públicos de São Paulo, e da escuta de depoimentos que traziam uma nova narrativa para as múltiplas identidades de gênero, as coordenadoras do grupo sentiram a demanda de se estabelecer um diálogo entre esse instituinte movimento visto nas clínicas públicas e a teoria psicanalítica. Uma busca pela construção de um espaço que pudesse criar uma ponte entre os novos movimentos sociais, suas diversas subjetividades, e a teoria psicanalítica.

Com a formação do grupo, e o início dos trabalhos, observamos também a necessidade de se estabelecer pontes com outras áreas do conhecimento, como antropologia, sociologia, filosofia e até mesmo o direito. Áreas essas que pudessem contribuir para um novo olhar da psicanálise e que criassem uma interlocução com diversas áreas que pensam o campo social e a contemporaneidade de forma mais abrangente.

Trabalhamos durante esses quatro anos em três frentes de atuação: discussões de casos clínicos, discussões teóricas de textos clássicos da psicanálise, alinhados a autores mais contemporâneos, e palestras com convidados externos ao Departamento que pudessem trazer um outro olhar sobre as temáticas em questão.

No início do ano passado, tendo em vista todo material produzido nesses anos de encontro, tivemos a ideia da realização do evento. O intuito era tentar condensar em um encontro, e com a diversidade dos convidados, um pouco da atmosfera do que foi construído pelo Generidades ao logo desses anos de trabalho.

Observamos, a partir de nossos encontros, que o mundo atual impõe pensar o sujeito político, o direito ao reconhecimento, a construção de subjetividades, a desconstrução de identidades. Impõe uma desmontagem dos tipos de identidade de gênero que excluem as singularidades que não se encaixam no cenário binário. Impõe, portanto, um respeito aos corpos e uma revisão nos discursos que os constituem: médico/jurídico/social.

Nesse sentido, o evento do Grupo Generidades, que aconteceu no dia 9 de novembro de 2019, se propôs a pensar estas questões, contextualizando historicamente o campo discursivo da cultura, seus valores e ideais que definem as fronteiras do humano. Novas formas de ordenamento são sempre produzidas pela articulação entre as contingências das histórias individuais de vida e as ferramentas simbólicas da cultura a cada tempo da história.

Tendo essas reflexões como norte, buscamos convidar profissionais que pudessem acrescentar a essa discussão a partir de suas experiências profissionais e/ou de seu lugar de fala a partir de suas identidades transexuais.

O evento teve a participação de psicanalistas que há algum tempo vêm se debruçando nas questões de gênero, e buscando uma reflexão mais crítica dentro da própria psicanálise. Nesse sentido, suas falas no evento foram bastante importantes para promover essa reflexão e trazer novos aportes teóricos para o debate. Entre os convidados, contamos com a presença de Mara Caffé, Miriam Chnaiderman, Rafael Kalaf Cossi e Jo Gondar.

Para esse evento também julgamos fundamental contar com a presença de pessoas trans que, com as mais diversas formações, puderam contribuir para o diálogo, partindo de suas especialidades e de seu lugar de protagonistas na questão trans. Os convidados, mais que especiais, a participarem de cada mesa do evento foram Bia Bagagli, doutoranda em linguística, pesquisadora na área da análise do discurso sobre temas referentes à subjetividade transgênera; Vivi Vergueiro, ativista transfeminista, pesquisadora do núcleo de Pesquisa e Extensão em Gêneros, Sexualidades e Culturas (NuCus UFBA) e o ator Gabriel Lodi.

Para contemplar a necessidade de romper fronteiras e estabelecer o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, convidamos profissionais da sociologia e antropologia. Tivemos falas de relevância como a de Letizia Patriarca, integrante do NUMAS: Núcleo de estudos sobre marcadores sociais da diferença, e da antropóloga e pesquisadora do núcleo de estudos de gênero PAGU, Regina Facchini.

Além de todos os convidados citados acima, tivemos a presença da psicóloga Salete Monteiro, que realiza um importante trabalho com Saúde integral LGBT na área de gestão do SUS na coordenadoria Regional de Saúde Centro no município de São Paulo. Ela contou dos trabalhos que estão sendo realizados no serviço público de atenção primária a essa população. Dados importantes para entendermos o que vem sendo feito em termos de políticas públicas e assistência às mais diversas identidades de gênero.

Destacamos ainda a importância do espaço constituído para um debate entre a psicanálise e o campo dos estudos de gênero, por favorecer a análise e a revisão tanto de aspectos da obra freudiana que engessam a compreensão das novas formas de sexualidade, quanto de aspectos da teoria psicanalítica que contribuem para a sua elucidação.

Dialogar apostando na ideia de que todas as partes teriam a possibilidade de contribuir e, ao mesmo tempo, reordenar o saber constituído, produziu discussões relevantes, tal como a explicitação da historicidade de algumas categorias teóricas da psicanálise - a castração, a lei, a figura do pai como garantidora da lei e da autoridade - situando-as no tempo e no espaço onde foram socialmente construídas.

Já o conceito de identificação inconsciente, postulado pela psicanálise, como foi debatido, amplia e devolve a complexidade do termo identidade utilizado pela teoria de gêneros. E o termo identidade utilizado pelas teorias de gênero, por sua vez, permite a psicanálise resgatar o campo social, cultural e político constitutivo dos sujeitos.

O giro posto como necessário do termo transexualidade para o transidentidade, marcando o movimento de uma categoria médico-jurista para um termo plural que carrega outros marcadores raciais, étnicos e de gênero é um outro exemplo das inúmeras contribuições que puderam ser realizadas neste encontro.

A ampliação do campo de reflexão, necessária para que possamos integrar - em suas formas pensadas para a saída da sexuação - as sexualidades fluidas, indefinidas, que não estão restritas ao binarismo, à dualidade de gêneros e à heteronormatividade, torna-se imprescindível para que a psicanálise acompanhe a mudança dos tempos.

Uma psicanálise arejada que leve em consideração os desafios políticos e sociais atuais traz a necessidade de questionamento sobre qualquer forma de domínio estabelecido pelos marcadores de diferença que não se restringem ao campo das generidades, mas também aos de raça e etnia.



[1] Pelo Grupo de Trabalho Generidades.




 
 
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