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JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS |
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58 |
Abril 2021 |
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MAL-ESTAR NA CIDADE
SAÚDE MENTAL: TERRITÓRIOS CLÍNICOS
TIDE SETUBAL [1]
Um novo aniversário me trouxe profundas reflexões acerca dos meus caminhos até então. Fui invadida por uma sensação de que eu já tinha alguma história para contar, uma certa consistência teórico-clínica-política e, ao mesmo tempo, ou justamente isso: eu tinha um tempo diante de mim. Tempo vestido de história, oportunidade, movimento, vida. Como habitá-lo? Como desdobrá-lo ativamente numa posição de quem não se demite da responsabilidade de construir e ser autora de seu futuro? Nesse, então, 2019, provocada por essa reflexão pessoal e também por uma intensa indignação - uma revolta com o início do desgoverno brasileiro, que já se mostrava autor de uma necropolítica alarmante e genocida -, me pareceu imperativo pensar numa outra maneira de atuação no mundo como forma de enlaçar a vida e oferecer resistência ao nefasto. Foi assim que comecei a gestar o projeto que hoje se chama Saúde Mental: Territórios Clínicos. Embalada nesses ventos de renovação e de inconformismo, parti de uma pergunta: como poderíamos fomentar o campo psicanalítico ligado às chamadas clínicas públicas ou clínicas sociais? Essa primeira indagação me trouxe imediatamente uma outra, que se mostrou ainda anterior: como está esse campo atualmente em São Paulo? O que os psicanalistas têm feito, pensado e pesquisado sobre isso? Para tentar responder essas questões, fomos [2] estudar e fazer um mapeamento em São Paulo do que existia de iniciativas de institutos, grupos, coletivos, universidades e escolas de psicanálise nesse campo de atuação social. O resultado, ainda em construção, tem se mostrado bastante interessante. No momento, estamos trabalhando uma forma de apresentação de um Mapa da Saúde Mental psicanalítica das clínicas sociais de São Paulo, acreditando que torná-lo público já pode ser uma forma de fomentar redes e sonhos de outros possíveis e tão necessários trabalhos nessa direção. Quando tivermos esse trabalho pronto, divulgaremos também aqui pelo Boletim Online. A partir então de pesquisas, conversas, grupo de estudos sobre as clínicas públicas e desse mapeamento, construímos uma área de Saúde Mental dentro da Fundação Tide Setubal (Site). Fundação familiar que tem no seu nome uma homenagem à minha avó materna e que, desde 2005, atua principalmente nas periferias de São Paulo, tendo como principal objetivo o combate às desigualdades sociais e a luta por justiça social. Essa área de Saúde Mental e Psicanálise da Fundação tem os seguintes princípios de atuação: - Ampliar a atuação, o diálogo e o alcance da psicanálise e do cuidado com a Saúde Mental nas políticas públicas. - Descentralizar e democratizar o acesso da população ao atendimento psicológico e/ou psicanalítico, seja ele individual, grupal ou como dispositivo de elaboração psíquica. - Apoiar a formação de profissionais da Saúde Mental, sobretudo daqueles que enfrentam dificuldades sociais, periféricas e raciais. - Incentivar pesquisas no campo de Saúde Mental que incidam e dialoguem com o território, as periferias, as questões de raça e de gênero. - Apontar a importância do investimento e do trabalho no campo da Saúde Mental, trazendo esse tema para o debate em diferentes espaços. Com a intenção de transformar esses princípios em uma atuação concreta, montamos um projeto piloto de fomento. Entramos em contato com 7 grupos e/ou coletivos mapeados[3], que já tinham uma prática alinhada com os princípios descritos e desenhamos conjuntamente uma linha de apoio que acontecerá em 2021 e 2022 para projetos apresentados por esses grupos. A ideia aqui é fomentar, apoiar, criar redes e difundir os projetos. Construímos também uma parceria com o canal no Youtube Inconsciente Coletivo Entrevista para uma série de 12 entrevistas intitulada É preciso falar de Saúde Mental, a qual estamos colocando no ar toda última semana de cada mês. As três primeiras entrevistas já estão nas redes sociais. Em janeiro, foi com o psicanalista Christian Dunker (link) sobre a questão alarmante do “revogaço” e, a segunda, em fevereiro, foi com a psicanalista Ana Carolina Barros Silva (link) sobre a questão do racismo vivido pelas mulheres negras e periféricas e a terceira com a Lia Vainer (link ) sobre a branquitude. Enfim, é tudo muito começo. Mas o sonho de desenvolver e fomentar propostas que produzam circulação e ampliação de práticas no campo da Saúde Mental, sobretudo psicanalítico, nos diversos territórios periféricos, como forma de democratizar e descentralizar a produção de conhecimento e o atendimento psíquico[4] tem se mostrado fértil. É uma aposta que vê a importância de a psicanálise ampliar sua atuação nessa direção para transformar o mundo e ser transformada por ele. Afinal, num planeta entre pandemias e pandemônios, reinventar caminhos, criar redes e cuidarmos da Saúde Mental coletiva, parece uma forma de continuarmos lutando pela vida. [1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise onde faz parte do Conselho de Direção 2021-2023 como articuladora da área de Formação Contínua, do grupo de trabalho e pesquisa O feminino e o imaginário cultural contemporâneo, é professora do curso Conflito e Sintoma e colaboradora deste Boletim. [2] Eu, Laís Guizelini e Viviane Soranso. [3] Instituto AMMA Psique e Negritude, Coletivo Margens Clínicas, Grupo Veredas: Psicanálise e Imigração, Sur Psicanálise, PerifAnálise São Mateus, Roda terapêutica das Pretas e Casa de Marias. [4] Esse é o propósito do projeto Saúde Mental: Territórios Clínicos.
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