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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    54 Junho 2020  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

A PSICANÁLISE E A CULTURA EM TEMPOS DE PALAVRAS BANALIZADAS E SILENCIAMENTOS


Nanci de Oliveira Lima

Mabel Casakin

Maria Aparecida Kfouri Aidar [1]



“Pode ser feito de reclusão e silêncio o mundo em que vivemos, mas é também feito de vozes exaltadas, de discursos infinitos, de uma profusão impressionante de palavras. Desde o momento tão próximo e já tão longínquo em que um vírus atravessou o nosso presente, tem sido imenso o esforço em definir o fenômeno e firmar sobre ele algum sentido. Esse empenho pode ser comovente, até alentador, mas não chega a esconder algo muito conhecido: que a vastidão de explicações às vezes manifesta só a falência do sentido, que o que mais insistimos em nomear é o que mais escapa ao pensamento...

...Cabe então fazer da ausência de um sentido prévio a construção de um sentido futuro, somando à interpretação também o desejo. Um desejo que não se reverta em pensamento mágico ou religioso, que não se creia cumprido de partida. Um desejo que não seja uma espera, e sim o motor de uma ação no presente. Um desejo que se faça coletivo, capaz de engajar os outros num futuro maior que o mero produto da nossa inércia.”

Este texto do Julián Fuks, publicado em seu blog em 08/05/2020, na UOL, e aqui recortado, foi inspirador para a proposta do evento que estamos organizando.

A psicanálise carrega em sua essência uma posição em defesa da vida; trabalha para que, na luta entre Thanatos e Eros, encontremos forças para que a vida se imponha, para que a possibilidade de vinculação criativa com o mundo prepondere, em relação às forças que trabalham a favor do desligamento.

Desde há muito sabemos que o silenciamento é profundamente destrutivo e aquilo que não pode ser dito tem efeitos disruptivos e nefastos. Como lembra Fuks, também uma torrente de falas, por vezes, só faz dar ao vazio de sentido outra aparência. E sabendo disso, a psicanálise trabalha com a palavra, com a circulação da palavra, para que - a partir dela em movimento - possamos construir formas de representação, formas de nomear o inominável.

As instituições de formação psicanalítica têm em sua ética o compromisso de fazer frente às lógicas totalitárias e coisificantes. E o Instituto Sedes Sapientiae, no qual este Departamento de Psicanálise está inserido, carrega em suas entranhas - e em sua carta de princípios - a luta por um mundo menos desigual.

Os últimos anos têm testado fortemente nossa democracia e vários eventos foram realizados pelo Departamento e pelo Instituto abordando esta questão, propiciando espaços essenciais de fala e troca, na tentativa de construirmos sentidos possíveis.

Mais uma vez nos sentimos convocados a chamar o coletivo para colocar em palavras algo do horror com o qual estamos sendo obrigados a nos deparar, dia após dia.

A pandemia trágica que assola o mundo tem em nosso país um aspecto ainda mais mórbido: a forma escancarada da necropolítica, quase orgulhosa, praticada por políticos que se sentem seguros o suficiente para não precisar disfarçar seu ódio pelo povo. A cada dia apenas confirma-se o já sabido: governa-se para interesses pessoais de alguns e à despeito da vida (e da morte) de muitos. Àqueles que se indignam com o tom utilizado, cabe a pergunta: de que espécie de relação com a palavra se trata? Que dizer é possível a partir do modelo que a chefia do governo oferece ao país?

A militarização do Governo de forma geral levanta questionamentos e talvez preocupações, porém a agora acintosa troca de especialistas por militares em cargos técnicos do Ministério da Saúde, em plena pandemia, remete à epidemia de meningite da década de 1970, que foi tratada pelo Governo Militar da época por meio de censuras e proibições sobre as informações, deixando a população às escuras a agravando seriamente a situação, conforme nos revelaram as pesquisas e matérias jornalísticas posteriores.

Em nossos tempos atuais a “imprensa livre” faz seu trabalho, denunciando a subnotificação, e buscando meios científicos e epidemiológicos para tentar apresentar números realistas, diante de uma base de dados oficiais desatualizada, desarticulada e esvaziada de possíveis comparações, após a perda de mais de 500 mil dados sobre as mortes no país nos anos anteriores, acontecida justo agora, quando se estava verificando comparativamente o número de óbitos por pneumonia e síndromes agudas respiratórias.

Poderia se afirmar que não há censura acontecendo, visto que a mídia vem denunciando repetidamente os abusos, tramoias e desmandos cotidianos aos quais o país está submetido.

Porém, lembramos do raciocínio erroneamente atribuído a Goebbels, mas cada vez mais atual: “uma mentira contada mil vezes torna-se verdade”. A rede de fake news, e sua disseminação viralizada por robôs, constrói uma narrativa outra, distorcendo ou suprimindo informações, e induzindo a erros. Para aqueles que aderem ao discurso do presidente, a imprensa não é mais fonte confiável.

Temos então um cenário de imenso silêncio em meio a uma profusão de palavras: total ausência de sentido?

É fazendo frente a este cenário que convidamos Julián Fuks e Sílvia Nogueira de Carvalho para debaterem conosco, no evento: A Psicanálise e a Cultura em Tempos de Pala vras Banalizadas e Silenciamentos - Como resgatar a potência do desejo para a constr u ção de um futuro possível , no qual teremos a oportunidade de contar com o olhar psicanalítico sobre esta realidade, buscando não apenas compreendê-la, mas especialmente - como nos diz Julián - acrescentar o desejo à interpretação.

Este evento acontecerá em meio virtual, obviamente, mas vemos nesta condição imposta pela pandemia a oportunidade para expandir horizontes, buscar voz em lugares distintos e longínquos, ampliando a rede de ideias e trocas. Desejamos, ao menos, que possamos carregar as tramas desse encontro com a intenção e a esperança enquanto potências de transformação, de construção de parcerias em busca de um futuro possível.

Data: 26/06/2020 às 20:00


Maio/2020



[1] Comissão organizadora do evento.




 
 
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