A MI MANERA”: QUANDO O CORPO ENCLAUSURA O NÚCLEO DA IDENTIDADE DE GÊNERO

 

Cassandra Pereira França

UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

 

 

Eixo temático – FORMAS DE EXPRESSÃO DO SOFRIMENTO NA INFÂNCIA (QUESTÕES DE GÊNERO)

 

 

RESUMO

 

A formação da identidade de gênero em um indivíduo ainda é um tema relativamente nebuloso, para o qual a psicanálise ainda não desenvolveu nenhuma teoria abrangente. Há um consenso de que a construção da identidade sexual depende da interação de fatores biológicos, ambientais e sociais. Na primeira infância, tanto meninas quanto meninos formam uma identificação-simbiótica primitiva com a mãe (baseada na fusão de percepção visual e tátil, atividade motora, introjeção e imitação), que faz com que a criança precise lutar pela des-identificação, enquanto avança uma progressão gradativa entre um estado de incorporação total do objeto primário e um estado de identificações seletivas. A capacidade de perceber contrastes se desenvolve pari passu à percepção de um espaço dentro e fora (do corpo e do psiquismo), ou seja, em paralelo à representação do eu e do não-eu. Assim, crianças dos dois sexos notam, desde muito cedo (geralmente entre o décimo segundo e o décimo oitavo mês de vida), a diferença anatômica entre os sexos – descoberta que mobiliza angústia e motiva uma reorganização da relação e interesse pelo próprio corpo e pelas atividades lúdicas. Nessa idade também notam que a genitália sustenta uma nomeação estabelecida pela cultura: a de que pertencem a apenas um dos clãs, feminino ou masculino. Na atualidade já é consenso que o estabelecimento da identidade de gênero ocorre no segundo ano de vida, conforme apontam os estudos de Stoller (1968, 1982, 1984), Roiphe e Galenson (1981), Bleichmar (2000, 2014), exatamente numa época em que a megalomania da criança faz com que ela queira possuir os poderes e privilégios atribuídos às personalidades e aos órgãos genitais de cada um dos genitores. Sabemos também que a representação psíquica do par parental, bem como suas palavras, podem vir a ajudar ou a atrapalhar a criança na sua tentativa de abrir mão de seus desejos universais de natureza tanto bissexual quanto incestuosa. A análise nos primeiros anos de vida tem se mostrado uma rica fonte para a compreensão do mundo interno e das fantasias presentes nos tempos em que ocorre a construção da identidade sexual (França, 2017). A incapacidade de completar a separação-individuação em relação à mãe e, também, o papel do pai no mundo interno da criança, serão vértices que irão guiar as reflexões sobre os arranjos identificatórios que podem levar ao caminho da homossexualidade ou do transexualismo.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: gênero; homossexualidade; transexualismo; análise infantil.

 

 

CASSANDRA PEREIRA FRANÇA, Doutorado e pós-doutorado pela PUC-SP. Professora do Curso de Psicologia da UFMG (graduação e pós--graduação). Coordenadora do Projeto CAVAS/UFMG. Autora e organizadora de vários livros relacionados à clínica psicanalítica infantil.