O EFEITO EXTRAVIANTE DOS “MANUAIS DE PREVENÇÃO” DE ABUSO SEXUAL: UMA REFLEXÃO PSICANALÍTICA
Danielle Pereira Matos
UFMG
Cassandra Pereira França
UFMG
Eixo temático – A ESCUTA PSICANALÍTICA NA CLÍNICA AMPLIADA: ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO.
RESUMO
Nos últimos anos temos nos deparado com um crescimento do número de pais que buscam atendimento psicanalítico para seus filhos/as, ao suspeitarem que foram vítimas de abuso sexual. Essa suspeita costuma surgir a partir de falas ou expressões de crianças bem pequenas, pertencentes a diversas configurações familiares e a distintas classes sociais. A princípio, suspeitávamos que o aumento do número de demandas para análise desses casos era fruto da difusão da especificidade de nossa experiência clínica e do foco de nossas pesquisas na área da violência sexual. Contudo, acabamos nos deparando com alguns cuidadores que encontravam-se em um estado extremo de alerta, especialmente diante dos conteúdos transmitidos pelos manuais de prevenção de abuso sexual distribuídos, maciçamente, nas redes sociais e nos grupos de mães. As recomendações neles contidas desperta um tal nível de persecutoriedade que acaba por afetar a capacidade de continência e réverie dos pais, dificultando, assim, a construção criativa de uma relação de confiança deles com seus respectivos objetos de cuidado. Tal cenário configura-se, paradoxalmente, como mais uma faceta das obstruções nas relações de cuidado no cenário contemporâneo. Chegamos ao ponto de pensar na hipótese de um fenômeno de “contágio” (entre algumas mães) das histórias de abuso sexual, supostamente vividas por seus filhos, de modo que elas, tendenciosamente, passariam a julgar qualquer manifestação sexual infantil como um “sinal de abuso”. A partir dos estudos psicanalíticos sobre as relações de cuidado e reflexões sobre os possíveis efeitos alienantes sobre as mães, o presente estudo visa levantar alguns questionamentos sobre a maneira como os recursos de prevenção do abuso sexual dos nossos tempos tem surtido efeitos obstrutivos no psiquismo dos cuidadores e de suas respectivas crianças. Destacam-se, por um lado, as conseqüências nocivas da função de interpretação das mães, que acabam por acionarem defesas arcaicas, esquizoparanóides, frente à suposta cena de abuso sexual. Além do mais, os efeitos inibitórios dessa interpretação sobre a criança, acabam afetando sua capacidade de brincar e realizar os ensaios edipianos em fantasia.
PALAVRAS-CHAVE: função materna, continência psíquica, abuso sexual, fantasia infantil.
Danielle Pereira Matos (apresentadora) – Psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000), Mestre e Doutoranda no programa de Pós Graduação em Psicologia/Psicanálise pela UFMG; supervisora clínica do projeto CAVAS/UFMG (Crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual); professora do curso de Psicologia na Faculdade FEAD/MG; coordenadora da Palavra e Cia - Centro de Especialidades Humanas.
Cassandra Pereira França – Professora doutora do corpo docente do Programa de Pós-Graduação e graduação em Psicologia da UFMG; Membro da ANPEPP (GT: Psicanálise e Clínica Ampliada) Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Possui Doutorado e Pós-doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenadora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica da UFMG. Coordenadora do Projeto CAVAS/UFMG (Projeto de Pesquisa e Extensão com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual). Desenvolve pesquisa e produz trabalhos bibliográgicos na área de disfunções sexuais, perversões e clínica psicanalítica da infância e adolescência.