“ONDE AS PALAVRAS TÊM VEZ: A ANÁLISE DE UMA CRIANÇA IMPOSSIBILITADA DE O SER E A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO TERAPÊUTICO COMO TRADUTOR DO SOFRIMENTO PSÍQUICO.”
Patrícia Vaz Prudente Corrêa
membro do Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae
Eixo temático – FORMAS DE EXPRESSÃO DO SOFRIMENTO NA INFÂNCIA. PSICOSSOMÁTICA, CORPOS E SUBJETIVIDADE
RESUMO
Anna tinha 10 anos quando a conheci. Havia iniciado o programa de reabilitação física do Instituto de Medicina Física e Reabilitação Lucy Montoro do Hospital das Clínicas de São Paulo devido ao raro diagnóstico de Paralisia de Bell. Uma doença rara que afeta os músculos da face, desfigurando-a. A menina faria acompanhamento fisioterápico e uma avaliação com a psicóloga como parte de seu tratamento. Quando a vi fiquei surpresa. Ao longo do corredor do hospital buscava por uma criança e deparei-me com uma menina-mulher. Sua face já não mais demostrava sinais da doença que havia cedido com início dos exercícios fisioterápicos e acompanhamento médico. No entanto, após princípio das sessões semanais e particulares de psicoterapia apareceu-me um corpo obeso, braços e pernas cortados, olhos e boca pintados de preto, o desejo de morte e o sofrimento. Em seu discurso Anna dizia-me que deveria cuidar da casa e de si enquanto a mãe revezava-se em plantões de 72 horas e o pai trabalhava no litoral vendo-a apenas aos finais de semana. Na escola deparava-se com apelidos depreciativos e distância dos colegas, defendendo-se com postura agressiva. Não havia indiferença de Anna, apesar das diversas falas de sua mãe pontuando-me o quanto sua filha não se importava com nada. No vazio e solidão de sua dor, Anna esforçava- se para existir e se preencher através da navalha e da comida. Em um tempo onde o ideal de corpo, a cultura ao belo e o exibicionismo das mídias sociais imperam, como constituir-se psiquicamente sendo esta à margem do esperado? Anna confundia-se com a mulher que lhe exigiam ser e o desejo de manter-se criança, expressando no corpo o sofrimento até então impossibilitado de ser falado. Não havia brincadeiras ou brinquedos. A clínica pode colocar a palavra como tradutora para a dor que insistia em exprimir-se pelo corpo. Das máscaras usadas para constituir-se egoicamente, Anna pôde dar novos sentidos ao “ser grosseira” e “diabólica”. Tornou-se então “aquela de personalidade forte” que poderia permitir-se sonhar e imaginar um futuro de potência.
PALAVRAS-CHAVE: Paralisia de Bell, obesidade, sofrimento, criança.