TROCAR DE CORPO? MUDAR DE NOME? INQUIETAÇÕES DIANTE DA TRANSEXUALIDADE EM UM CASO CLÍNICO
Renata Guarido
Eixo temático – FORMAS DE EXPRESSÃO DO SOFRIMENTO NA INFÂNCIA
RESUMO
XX1 irrompe o consultório aos prantos; o pai, perplexo, me olha e faz nada mais que um som. Fecho a porta, ela chora em grito e diz: “eu não quero esse corpo, nunca quis, desde 4 anos que eu sei que eu quero ser menino”. XX não suporta seus seios, parte de um corpo todo ele errado. Ela quer escondê-los, os comprime para que desapareçam do contorno do seu corpo.
Pensa, como diz, que desde 4 anos já queria ser menino e agora quer ser um menino trans. Os pais consideram a decisão prematura, pois acham que o mal-estar vivido pela filha faz parte do percurso de toda menina em desenvolvimento. Ela acha que eles não a escutam. Num determinado momento, XX diz querer que a chamem por um outro nome, antes de poder intervir realmente em seu corpo. Na escola quer falar disso aos professores, ensaia conversas, propõem essa mudança à coordenação de sua escola, mas não suporta o efeito que o pedido teve em seus pais e recua de sua decisão.
A contundência com que diz de seu incomodo com seu corpo me afeta. Penso: o que é isso que ela vive? Com o que posso pensar Isso hoje?
No Seminário 11 Lacan nos lembra que “o que se deve fazer como homem ou como mulher, o ser humano tem que aprender peça por peça, do Outro” ( Lacan, 1998, pg.194)
Entretanto, vemos tal percurso atualmente cooptado, como tantas outras trajetórias necessárias ao sujeito, por um certo discurso médico que permitiria acreditar que haja uma ação capaz de adequar corpo e desejo, adequar sujeito e imagem, que haveria um corpo que representaria um conforto aos dilemas vividos pelo sujeito ao fazer- se um sujeito desejante e um sujeito sexuado. Um corpo adequado. Como pensar, na atualidade, esta “oferta” de modificação corporal em paralelo aos novos discursos sobre gênero?
Objetivo e pertinência: Neste trabalho pretendo discutir algumas questões que me parecem surgir, na atualidade, de um certo discurso sobre a sexualidade e sobre o (trans)gênero, recortadas por impasses vividos na clínica com um menina de 13 anos. Considero o trabalho pertinente pois temos vivido a presença cada vez mais marcante de novos discursos sobre gênero e intervenções médicas diante de novas demandas surgidas no social em torno da sexualidade, intervenções essas que parecem obliterar certos sofrimentos do sujeito em se fazer um ser sexuado, avançando sobre crianças cada vez mais jovens.
1 Escolho uma codificação “genética” no nome, por ora, neste projeto de trabalho, não um nome fictício. Para essa menina, seu corpo insiste, lhe dá trabalho, produz conflito; além disso, a escolha do nome, de um novo nome, é parte significativa do trabalho clinico, ela ainda não pode escolher um novo nome, ou outro nome. Penso, entre outras coisas, que ela ainda se debate com ser menina ou com o registro menina que há em seu ser.
PALAVRAS-CHAVE: Transexualidade, Sexualidade, Clínica, Medicalização
Renata Guarido, psicanalista, psicóloga, mestre em Psicologia e Educação pela FE-USP, membro e professora do Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae, autora de artigos nos livros Atendimento Psicanalítico de Crianças, organizado por Adela Stoppel de Gueller, Zagadoni, 2011; Por Uma (Nova ) Psicopatologia Da Infância e Da Adolescência, Escuta, 2016 entre outros.