UMA CANÇÃO DE ANÁLISE: “O MEDO É UM DESEJO QUE VEM DO CORAÇÃO”

 

Tiago Sanches Nogueira

Instituto de Psicologia da USP

 

 

Eixo temático – HISTÓRIA E CULTURA – PRESENÇA DA TECNOLOGIA EM NOSSAS VIDAS

 

 

RESUMO

 

O trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões em torno da experiência musical como instrumento de intervenção no trabalho clínico com uma criança fóbica. A construção de uma canção junto com a pequena paciente

 

– canção que possibilitou a nomeação daquilo que representava o seu medo – nos colocou diante da discussão aristotélica acerca da catarse (Kátharsis). O resultado das pesquisas em torno da palavra kátharsis permite obter três grandes áreas semânticas circunscritas em torno do termo, a saber: “purgação”, “purificação” e “clarificação”, esta última referindo-se a uma certa forma de aprendizagem que no presente caso clínico se mostrou bastante curiosa.

 

Segundo Aristóteles, a kátharsis das emoções trágicas (o temor e a piedade) se daria através da ação mimetizada que é expressa em uma linguagem ornamentada, na qual cada espécie de ornamento é diversamente distribuída entre as partes. Essa linguagem é/está na tragédia, definida pelo filósofo grego como a mimesis de uma ação na qual uma virtude está implicada. Faremos notar em nossa comunicação que a família da palavra mimesis apresenta uma ascendência linguística que, segundo R. Dupont Roc e J. Lallot (1980), se enraíza numa forma de representação no sentido teatral da palavra. Citando Koller (KOLLER apud DUPONT ROC E LALLOT, 1980, p.18), os autores referem que originariamente esta representação seria de natureza orquestral, tendo no ritmo seu suporte essencial. As formas teatrais faladas e ritmadas eram desenvolvidas a partir da dança, o que reforça para eles a origem teatral do termo.

 

Embora a maior parte dos tradutores modernos do texto aristotélico traduzirem o termo mimesis para imitação,

 

R. Dupont-Roc e J Lallot (tradutores da versão francesa d’A Poética de Aristóteles) decidiram optar por traduzir o termo para representação. Será essa leitura da mimesis que nos permitirá propor a atualização do conceito de catarse, compreendendo que a canção composta em uma das sessões com a criança coloca em jogo um tipo de representação que produz clarificação e entendimento sobre o afeto “medo” tão presente na paciente. Sendo assim, nossa comunicação se inscreve no eixo “o trabalho de representação” e traz a novidade da discussão acerca de novas formas de construções em análise que, desde os indícios deixados pela paciente, permite a construção de narrativas que apresentem o estatuto de uma lembrança rememorada.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Canção; Catarse; Representação; Fobia.

 

 

Tiago Sanches Nogueira, psicanalista, músico-criador, doutorando em Psicologia Clínica pela USP, mestre em Psicologia Clínica pela PUC- SP, membro do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política USP/PUCSP e do Grupo Veredas: Psicanálise e Imigração. É autor do livro “Ensaio sobre o infinito: música e psicanálise”, e do álbum musical “Esgritos: Romance de Formação”.