boletim

INFORMATIVO ONLINE SOBRE AS ATIVIDADES DO DEPARTAMENTO
PSICANÁLISE COM CRIANÇAS DO INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE

 
ANO VII | Número 13 | edição agosto a dezembro de 2020  
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  Presença na Ausência
Bruna Uva1
   

 

Em março de 2020 o estado de São Paulo decretou isolamento social em função da pandemia do novo Coronavírus. Foi um momento atordoado, onde todos, crianças, adolescentes, adultos e idosos precisaram se adaptar e reinventar para seguirem com suas vidas e seus afazeres. Ensino a distância, trabalho a distância, encontros virtuais passaram a ser realidade na vida de centenas de brasileiros, de milhares de pessoas ao redor do mundo. E assim, nós, psicanalistas, precisamos também nos reinventar e desbravar o mundo virtual.

Confesso que num primeiro momento resisti, ingenuamente acreditando que a situação se resolveria em algumas semanas. Suspendi os atendimentos das crianças e sugeri aos adultos que experimentássemos sessões virtuais.

As semanas se passaram e a situação não melhorou, o número de casos subia e consequentemente, o número de mortos. Percebi que a situação se estenderia para além do que eu previa. Retomei os atendimentos com as crianças, com muitas ressalvas e com certo receio. Será que funcionaria? Será que seria apropriado? Como estabelecer o setting? Eram muitas as questões, ainda são.

No início, percebi que as brincadeiras, com a maioria dos pacientes, havia se tornado desenhar e pintar, algo que mesmo distantes, poderíamos fazer juntos. Com o passar das semanas pudemos ampliar nossas possibilidades e fazer outras brincadeiras, como jogos de tabuleiro, jogos inventados e até jogos virtuais, bonecas, carrinhos e outros brinquedos passaram a ganhar espaço em nossos encontros. Fui compreendendo que as sessões aconteciam, apesar da distância e da limitação do contato. Ao contrário das minhas fantasias, notei que estava sendo possível acontecer as sessões apesar das telas, ou melhor, nas atuais circunstâncias, graças as telas.

Passei a me preocupar bastante com os pacientes mais desorganizados, com as crianças que precisavam de corpo na sessão, as quais apresentavam brincadeiras onde os instrumentos de trabalho eram os corpos, os deles em movimento constante, e o meu, muitas vezes, que continha e delimitava algum espaço. Os desenhos, pinturas, jogos e brinquedos pareciam não dar conta da distância.

Pensei muito em como poderia me fazer presente neste momento de ausência física e em uma supervisão, tive a ideia de enviar para tais pacientes algum brinquedo significativo para eles que usávamos no consultório.

Conversei com os pais e com as crianças sobre essa possibilidade, em momentos distintos. Com os pais, a fim de que concedessem autorização para o envio e ainda compreender quais brinquedos era ou não permitidos em casa. Com as crianças, a fim de construir a escolha do brinquedo que seria enviado.

Foram longas sessões com determinado paciente para que ele conseguisse escolher algum brinquedo. Ele não se interessava por quase nada que eu oferecia e, o pouco que se interessava, se mostrava tão distante que por vezes, parecia que eu não estava na sessão com ele. Eu havia me tornado virtual demais, os brinquedos e o consultório também. Insisti na escolha do brinquedo e foi uma verdadeira construção de um novo interesse para ele, pois nas sessões presenciais, ele brincava muito com certo brinquedo que não era permitido em casa.

Finalmente, com o objeto escolhido, escrevi uma carta e fiz um desenho de nós dois brincando, ele com o brinquedo que eu enviava, e eu na tela do computador. Ele ficou muito animado com o brinquedo, com a carta. A minha percepção de que eu já não estava mais tão real para ele mudou, pois minha presença concreta, através de um objeto do nosso espaço seguro de encontro, trouxe resultados visíveis para o caso.

Pude notar através desta experiência e das demais que se seguiram, que com pacientes mais desorganizados, a falta de corpo presente pode ser muito desorganizadora, e a virtualidade, por vezes, acaba sendo nociva. Fazer-me presente através de algo concreto tem ajudado tais pacientes a se organizar, o que me leva a pensar ser importante fazer a manutenção dessa presença, através do envio de cartas, desenhos, dobraduras etc., de tempos em tempos, a pensar no caso a caso.

 

 

1 Aprimoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP, graduada em Psicologia pela Universidade São Francisco e cursando Psicanálise com Crianças do ISS. Participou dos cursos de extensão acadêmica em Psicopatologia Psicanalítica e Inclusão Social, Ética e Psicologia, Mídia e Loucura e Psicanálise Infantil. Possui experiência em atendimento clínico com crianças, adolescentes, adultos e idosos, individual e grupal, e também na área de saúde mental, realizando acompanhamento diário de pacientes, em Hospital Dia e em Hospital de Custódia. Na clínica do Sedes, realiza atendimento de crianças, adolescentes e adultos.

 
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