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Resumo
POR QUE NÃO NOS ENSINARAM ISTO ANTES?
A FUNÇÃO MATERNA NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO AUTISTA
Autora: Beatriz Cauduro Cruz Gutierra
Doutorado em Psicologia IPUSP, tendo como foco de pesquisa as relações entre psicanálise, desenvolvimento e educação; Psicanalista há 18 anos, com intensa atividade em psicologia clínica com crianças, adolescentes e adultos. Professora universitária e especialista em psicologia clínica e educacional. Tem publicado diversos artigos técnicos em psicanálise, sendo co-autora do livro A criança no discurso do Outro - um exercício de psicanálise (Iluminuras, 1994) e autora do livro Adolescência, psicanálise e educação: o mestre possível de adolescentes (Avercamp, 2003).
Neste trabalho discutiremos a constituição do sujeito como intimamente articulada ao lugar simbólico através do qual o bebe é falado (e olhado) no discurso materno, abordando o ponto onde isto parece claudicar no caso da criança autista. Para tanto, nos valeremos de uma vinheta clínica onde uma mãe de um filho autista, ao assistir uma palestra sobre o brincar no autismo, se espanta com a obviedade contida no conteúdo transmitido, que exigia apenas uma interação materna neste brincar, onde o gesto da criança fosse simplesmente nomeado e orientado. A mãe imediatamente questiona-se sobre o porquê disto não lhe ter sido ensinado antes, ou seja, sobre o porquê deste saber não estava presente em sua maternagem. Entendemos que este brincar exigiria que o filho fosse visto como sujeito, para mais além do estranhamento causado pelo pequeno bebê que, em sua radicalidade, redundou numa surdez significante por parte da mãe, típica dos casos de mãe de autistas. Haveria a necessidade de se ultrapassar o estranhamento causado pelo encontro com o real do corpo do bebê, tornando-o íntimo através de uma nomeação, da significação de seus gestos, incluindo-o no mundo dos humanos. Para tanto, o grito do pequeno infans deve ser significado, tornando-se um apelo, o que é possível apenas se o bebê estiver posicionado num ponto do olhar materno que permita que ali se configure um protótipo do sujeito. Há a necessidade de um desejo que não seja anônimo, como Lacan afirma a Aubry em suas duas notas sobre a criança. Esta particularização do interesse materno pela criança torna possível a simbolização de sua presença no mundo, de seu lugar como sujeito, de seu lugar simbólico, seja ele, inclusive, o da criança rejeitada que não deixa de ser um lugar a partir do qual o sujeito criança pode se inscrever e depois, quem sabe, fazer algo de criativo com isto.
Abordaremos, então, a constituição do sujeito como inicialmente resultante deste ponto do olhar (simbólico) que permite a inauguração de uma primeira imagem de eu, fazendo referência aos textos freudianos sobre o narcisismo, e ao texto de Lacan sobre o estádio do espelho em Lacan, além de autores contemporâneos da psicanálise. Discutiremos, em seguida, este "saber que não se sabe" essencial à função materna, que resulta numa oferta de um lugar simbólico o bebê, o que parece claudicar nos casos de autismo. Concluiremos discutindo sobre a (im)possibilidade da prevenção nos casos de autismo infantil.
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