Resumo
DA DIFERENÇA DO PAI À SINGULARIDADE DO FILHO: INFÂNCIA, PATERNIDADE E LAÇO SOCIAL
Autora: Belizia Aben-Athar Barcessat
Psicóloga; doutoranda em psicologia clínica pela PUC-SP; especialista em psicologia da educação; professora assistente da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará.
A emergência de um sujeito singular implica no cumprimento da principal
tarefa do final da infância, tal como Freud sintetizou na 31ª Conferência das Novas
Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1933[1932]): o
desprendimento dos pais como objetos privilegiados dos investimentos libidinais
e como suportes únicos das identificações.
Se a posição de ambos os pais ocupa lugar central nas possibilidades de
subjetivação de uma criança, a especificidade de cada um deles e do modo como
são representados pela psique infantil, configura-se em elemento primordial
nesse processo.
Dissociado da dimensão corporal que marca a ligação mãe-bebê nos primórdios da
vida, o aparecimento do pai é identificado a um lugar de diferença, de
estranheza e de heterogeneidade ao espaço materno, estando, portanto, apto à
mobilização de moções pulsionais destinadas à eliminação dessa imagem. É a
partir desse lugar de estrangeiro que as funções simbólicas atribuídas à
dimensão da paternidade (agente da castração e suporte primeiro das
identificações) fazem sentido e podem ser exercidas.
A dimensão da paternidade não é garantida pela existência real de um pai.
Entretanto, a presença de um sujeito que, na cena da realidade, encarna e
assume esse papel diante da criança não pode ser minimizada; para além do
espaço materno, seu modo particular de suportar as projeções, as fantasias e as
representações produzidas pela psique da criança, incidirá marcadamente nas
condições de constituição e de funcionamento psíquico dessa criança, bem como
refletirá nas possibilidades de seus investimentos em objetos complementares ao
meio familiar, de construção de novos laços afetivos e de empreendimento de
novas escolhas identificatórias.
A prática psicanalítica com crianças revela, de modo particular, faces
contemporâneas do conflito entre as pulsões e as exigências da cultura, medidas
pela vigência de valores que regem a sociedade atual e pelos impasses que eles
impõem às relações de filiação. A supervalorização do individualismo, a busca
do prazer imediato e o incremento de ideais de felicidade são alguns dos
paradigmas atuais refletidos nas relações entre pais e filhos e
subseqüentemente entre educadores e educandos. Horizontalidade, homogeneidade e
simetria são resultantes de ideais que destituem o caráter seqüencial e
diferencial que define as gerações.
Consideradas à luz das particularidades subjetivas e familiares, essas
reflexões auxiliam-nos na compreensão da especificidade atual da dimensão
paterna no processo de subjetivação de um sujeito singular. |