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Resumo

APÓS CEM ANOS: A TRANSFERÊNCIA NA ANÁLISE COM CRIANÇAS

Autor: Domingos Paulo Infante

Psiquiatra e Psicanalista, membro do NEPPC (núcleo de estudos e pesquisa em psicanálise com crianças), ex-diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia do Instituto da Criança do HCFMUSP

Se a análise com crianças comemora cem anos, pode ser uma boa oportunidade para indagar sobre como anda a sustentação da transferência nessa prática.

Nada opera analiticamente sem o pivô da transferência. Essa afirmação, ainda que seja um truísmo, não impede que esse aspecto fundamental do tratamento caia com freqüência nas garras da resistência que é como sabemos, no mais das vezes, do analista.

Se essa afirmação é válida para qualquer análise, na prática com crianças ela se torna particularmente problemática.

Como analista me vejo muitas vezes no lugar de responder a demandas de supervisão e é desse lugar que gostaria de levantar algumas questões sobra a prática da análise com crianças.

Na perspectiva histórica temos a celebre polêmica Klein versus Ana Freud sobre a possibilidade ou não da criança estabelecer transferência. Ainda que aparentemente tenha triunfado a perspectiva kleiniana reconhecendo a obviedade da transferência da criança é interessante observar como a oscilação análise-sugestão ainda se faz presente na prática com crianças. Ela renasce nas mais variadas formas. A divisa dos Lefort – a criança é um  sujet à parte antière – está longe de ser tomada como imperativo ético que norteie as análises em andamento. Toda sorte de justificativa de ordem teórica e prática fazem do espaço da análise das crianças um espaço franqueado a intrusões de todo tipo, familiares, educativas, escolares, sociabilizantes, etc.

Os preconceitos desenvolvimentistas são também fomentadores de todo tipo de sugestões que afastam o analista de sua posição de sustentação da transferência em nome de um sujeito supostamente inacabado.

As pressões a que o analista é alvo na prática com crianças faz com que ele ceda muitas vezes a essa pressão, condescendência que repercutirá inevitavelmente na transferência.

Muitas dessas interferências geram na criança-sujeito actings em resposta a esse retirar-se do analista do seu lugar na transferência.

A análise com uma criança que testemunha do movimento do sujeito no se situar frente ao desejo do outro, ou seja, movimento que vai da impotência para a antecipação, necessita de um dispositivo protegido pelo desejo do analista em não ceder no suporte da transferência.