Trabalhos
 

 

Resumo

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO PSIQUISMO: REVISITANDO O CONCEITO DE NARCISISMO PRIMÁRIO

Autora: Marília Marra de Almeida (USP)

Psicóloga, desenvolve sua pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo sobre o tema da Regressão em Psicanálise, sob orientação de Luis Claudio Figueiredo e apoio do CNPq . Atende em consultório particular numa perspectiva psicanalítica e trabalha com o Teatro do Oprimido, coordenando grupos.


A compreensão freudiana sobre a origem do psiquismo remete-nos à hipótese do narcisismo primário. Segundo Freud (1914), esta hipótese é menos palpável pela observação direta do que pela confirmação através de deduções a partir das características observadas em pacientes adultos, que podemos resumir pela idéia de um investimento libidinal voltado para si mesmo, num modo de satisfação auto-erótica. A partir disso, numa simplificação, temos a hipótese do indivíduo constituindo um sistema fechado em si mesmo, na origem do desenvolvimento.

Michel Balint (1937) faz uma interessante critica à noção de narcisismo primário, trazendo importantes elementos para pensarmos sobre a origem do psiquismo. Aponta o fato de que o estado primário só é possível na forma da unidade mãe-bebê, visto que o bebê não possui recursos que possibilite sua sobrevivência independente de um ambiente cuidador. Além disso, sua observação de pacientes ditos narcísicos levou-o a considerá-los como pessoas quase hiper-sensitivas, ainda que de maneira paranóica, irritáveis sob os mais sutis desprazeres, que nelas provocam as mais veementes reações. Não são indiferentes ao mundo, pelo contrário, esperam tudo dele. Partindo dessas considerações, Balint oferece uma hipótese alternativa ao narcisismo primário para sustentar a origem do psiquismo: o amor primário.

Descrito como um modo de relação inevitável que ocorre em fases muito iniciais do desenvolvimento, o amor primário compõe um estágio necessário ao desenvolvimento mental, caracterizado pela existência de uma interdependência instintual entre bebê e ambiente. A satisfação das demandas instintuais promove uma experiência de prazer caracterizada por um tranqüilo e calmo sentido de bem-estar, que nunca ultrapassa o nível do pré-prazer. Porém, a frustração dessas demandas provoca veementes reações. Segundo Balint, o rompimento prematuro desse tipo de relação, tal como ocorre pelas exigências da civilização ocidental, traz algumas conseqüências - a tendência ao apego, descontentamento generalizado e a insaciável voracidade de nossas crianças.

Nesse colóquio, pretendo apresentar essas idéias de Michel Balint acerca da constituição do psiquismo, caracterizando seu conceito de amor primário em sintonia com o uso do conceito de narcisismo primário por Winnicott: "No narcisismo primário o ambiente sustenta o indivíduo, e ao mesmo tempo o indivíduo não sabe de nenhum ambiente e é um com ele (WINNICOTT, 1954/1992, pág.283, tradução minha). A consideração do ambiente na compreensão da origem e constituição do psiquismo marca o pensamento desses dois autores. Importante ressaltar que essa discussão metapsicológica sustenta a postura do analista no setting, e, consequentemente, a compreensão desses conceitos possibilita a ampliação de possibilidades terapêuticas.