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Resumo

DISCURSO CONTEMPORÂNEO E ÉTICA DO ANALISTA: DE QUEM É O CORPO QUE SOFRE?

Autora: Renata Guarido

Psicanalista (formação pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientae), psicóloga formada pela USP, mestre em educação pela Faculdade de Educação da USP com a dissertação: " O que não tem remédio, remediado está" : medicalização da vida e algumas consequências da presença do saber médico na educação, sob orientação do Prf. Dr. Rinaldo Voltolini. Membro do Laboratório de Estudos sobre Infãncia e Psicanalise (LEPSI) / FEUSP.


Interessa aqui discutir, ainda que de forma breve, as condições de simbolização que encontramos no mundo contemporâneo pensando a partir da psicanálise, já que a psicanálise talvez seja um dos poucos discursos que nos permitem pensar a constituição das subjetividades enlaçada em seu tempo, na amarração da linguagem que supomos se armar em cada contexto histórico. Ou seja, a psicanálise permite falar do homem imerso na linguagem e não de um desenvolvimento e maturação de supostas condições psíquicas dadas a priori e que estariam avaliadas em relação a uma certa condição de normalidade da constituição do psiquismo. É isso que ainda permite que a psicanálise faça frente à boa parte dos aportes contemporâneos no que diz respeito ao sofrimento psíquico, ou seja, que a psicanálise se afaste de uma compreensão do acontecimento psíquico como um conjunto de sinais fenomênicos (como defende a psiquiatria contemporânea) e de uma terapêutica que normalize o sujeito buscando sua adaptação à vida prática e cotidiana, à contenção de suas experiência psíquicas via tratamentos da ordem condutivista.

No entanto, não é sem consequências para o exercício da psicanálise a forma adquirida hoje pelo discurso contemporâneo sobre o sofrimento humano. Que circule sob o domínio de verdade científica o conjunto de enunciados próprio da psiquiatria neurocientífica, não é sem efeitos na formação das subjetividades, nas demandas dos sujeitos que eventualmente busquem um analista. Assistimos em nossa época a uma multiplicidade de diagnósticos psicopatológicos e de terapêuticas que simplificam as determinações dos sofrimentos ocorridos na infância. O que reconhecemos como resultado deste tipo de prática é que um número cada vez maior de crianças e em idade cada vez mais precoce é medicado de forma a tentar conter manifestações da criança, sem considerar o contexto na qual se apresentam; não levando em conta, também, as complexas manifestações singulares de cada sujeito. Assim, no lugar de considerar um psiquismo em estruturação, supõe-se um déficit neurológico.

Levando em conta as atuais considerações sobre o sofrimento humana no campo das biociências e a incidência deste discurso na clínica atual, especialmente na clínica com crianças, o trabalho a ser exposto tem por objetivo discutir a função ética do psicanalista tanto no que diz respeito ao lugar que ocupa na clínica, como o lugar que ocupa no discurso social.