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Resumo
ENTRE O PEQUENO HANS E O MENINO DA PORTEIRA
Autora: Vera da Rocha Resende
Formação Psiologia; Especialização em Ludoterapia e Orientação Familiar
(Sedes, 1980); Especialização em Psicoterapia Psicanalítica de adultos e
Adolescentes CEP; mestrado em Psicologia Clínica PUCSP; doutorado em Psicologia
Clínica PUCSP. Professora Assistente do Departamento De Psicologia da
Faculdade de Ciências UNESP; Supervisora do Estágio de Psicoterapia Infantil
CPA UNESP. Professora credenciada do Programa de pós-graduação em Psicologia
UNESP Linha de Pesquisa: Infância e Realidade Brasileira, Membro do Depto. De
Psicanálise da Criança; membro do Espaço Potencial de Winnicott e terapeuta
(pesquisa) do grupo Acesso Instituto Sedes Sapientae.
Neste centenário da Análise da Fobia de um menino de cinco anos, (Freud;
1909), nos damos conta de questões que precisam ser enfrentadas, diante de
situações que, entre outras carências, clamam por uma escuta e um olhar
diferenciados. Crianças privadas das principais figuras parentais, recolhidas
em abrigos, não encontram acolhimento para a angustia desencadeada em meio às
incertezas produzidas pela realidade, na qual se inserem. Tomados por suas demandas,
indagamos como ajudá-las, a partir de recursos psicanalíticos. Minha
contribuição neste evento é refazer a história de uma criança, do sexo
masculino, que aos dez anos, dois anos antes de nosso primeiro contato, foi
descrita como marginal, por cuidadores e dirigentes do abrigo: não ouvia as
pessoas e não respeitava regras, mantinha as demais crianças sob ameaça
constante, tinha baixo rendimento escolar e tendências destrutivas. Parecia que
toda a rotina da Casa da Criança era prejudicada pela presença deste menino que
todos queriam ver longe dali. Minha inserção neste espaço em que havia crianças
de várias idades, inclusive bebês, levou-me a ter contato freqüente com ele,
quando manifestava interesse por encontrar-se comigo. Foi surpreendente o
estado de desamparo em que ele se apresentava e o alívio demonstrado com a
possibilidade de falar com alguém, disposto a ouvi-lo com atenção. Menino da
Porteira é o nome que escolhi para ele, neste relato, porque simboliza bem o
status do trabalho psicanalítico ao alcance desse perfil de criança. Coincide
com o fato de ser o nome da música que ele desejava cantar na festa junina da
Casa, marco de uma série de mudanças de comportamento que se sucedeu a este
evento. É imensa a distância que o separa do pequeno Hans, menos pelo tempo
transcorrido até aqui, mas, principalmente porque Hans tinha um pai disposto a
ouvir e acolher suas fantasias e angustias. Descrevo nossos encontros no
abrigo, que em nada se pareciam com o que concebemos como psicoterapia. Em
nenhum momento tive pretensão de aplicar a técnica com o devido enquadre. Meu
interesse era apenas me fazer presente como um outro diferente dos adultos
com os quais ele teve contato, até então. Mas, no estilo winnicottiano, queria
dar-lhe a oportunidade de encontrar uma pessoa, que não o rotulava ou
hostilizava, abrir-me com o gesto espontâneo que ancora e acolhe. Aos poucos,
eu o vi transformar-se em um menino menos impulsivo, mais colaborador, menos
destrutivo e mais preocupado com seu rendimento escolar, com seu futuro, e com
as condições de vida da família que o levaram ao abrigo.
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