Hoje aconteceu na França a votação que visava interditar a psicanálise no tratamento do autismo. Vários movimentos se uniram em defesa da liberdade de escolha. O MPASP se uniu a eles e enviamos uma carta.

Finalmente, fruto de muita movimentação, os deputados acabaram votando contra esta absurda proposição e garantindo o direito de escolha individual. Para comemorar esta vitória, postamos a carta que enviamos!

Caros colegas,

Nós do Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública (MPASP), de forma solidária, queremos nos unir a vocês nesta luta contra a arbitrariedade que vem se acercando da clínica psicanalítica, mormente, no atendimento às pessoas com autismos.

O MPASP é um movimento que reúne psicanalistas e terapeutas brasileiros, reunidos desde 2012, em posição de luta e resistência frente à posição política de exclusão da Psicanálise do rol de opções de tratamento para pacientes com autismos.

Entendemos que tal arbítrio fere, em primeiríssima instância, o direito de escolha dos pacientes e familiares que, como sujeitos, precisam ter este direito legitimado, pelo menos pelos profissionais de Saúde Mental – esta é uma questão de princípios para nós. E, se este posicionamento autoritário não visa eticamente o sujeito, a serviço do que vigerá?

Nosso Movimento movimenta-se em torno das questões da constituição do sujeito e de sua inerente singularidade, da detecção precoce de sofrimento psíquico e das possibilidades de intervenção a tempo, bem como da clínica psicanalítica e interdisciplinar com os autismos. Estamos em interlocução com profissionais diversos da saúde, da educação, da área social e política, bem como nos mantemos abertos às contribuições de outras áreas de saber, tais como as Neurociências, a Psiquiatria, a Linguística, a Genética e Epigenética, por apostarmos na importância da pluralidade discursiva e da equivocidade das vozes do discurso da ciência.

Desde de seu início, a obra psicanalítica vem-se estabelecendo pela fundamentação lógico-teórica da montagem do aparelho psíquico. Freud, hiper-atualizado, pensou-o também como aparelho de memória e aparelho de linguagem. Seguindo sua trilha, com Lacan e outros, a psicanálise continua sendo inventada, e sustentada pela “práxis de sua teoria”, desta, nomeada por Lacan, da verdadeira “ética da psicanálise”, é o que a clínica psicanalítica dá testemunho. Este é outro dos princípios que o MPASP reitera.

É sabido que, esta complexa montagem da aparelhagem mental não ocorre por si, nem por instintos, nem por determinações genéticas. Ela é pluri-causal e ocorre na presença do Campo do Outro, “esta parte do vivo à espera do sujeito” (Lacan), desde a mais tenra idade. Também, sabe-se que agravos à esta constituição, quanto mais precoces serão de maior gravidade e de mais severas consequências, podendo exercer efeitos em toda arquitetura do humano, inclusive em seu aparato neuronal, dependente que é, o filhote do homem de experiências humanizantes. O autismo, considerado por diversos estudiosos como um distúrbio da conectividade cerebral, certamente aponta para que se investigue toda qualidade e quantidade de interligações daquele indivíduo singular e para que se intervenha o mais cedo possível, tão logo sinais precoces de risco ao desenvolvimento sejam detectados. Este é o terceiro aporte de ações clínicas, políticas e de transmissão que o MPASP defende.

A tarefa sempre foi árdua, apesar de instigante, na questão Psicanálise e Autismos, desde os idos do início do século XIX. O que podemos pensar das tentativas atuais de excluir a Psicanálise do campo das intervenções terapêuticas de Saúde Mental, para pessoas com quadro de autismo, por decreto?

O MPASP recusa-se a compactuar com quaisquer ações de cerceamento da Psicanálise, como método teórico-clínico para qualquer forma humana de presentificação. Assim, queremos nos disponibilizar à união de esforços e recursos com qualquer outra associação, de qualquer lugar, que queira referendar este Movimento, entendendo que esta luta precisa estar num âmbito muito além de fronteiras imaginárias.

Fica aqui a convocação, a um por um, que queira manter uma interlocução conosco, a respeito desta causa, que é muito nossa.

Por fim, lembremos do que nos deixa Le Corbusier:

“ A primeira prova de existência é ocupar o espaço.”

*Publicado em 8 de dezembro de 2016.

**Versão em francês: https://cause-autisme.fr/2016/12/07/lettre-du-mouvement-psychanalyse-autisme-et-sante-publique-bresil/