Carta enviada pelo Departamento de Psicanálise da Criança, posicionando-se frente à consulta pública promovida pelo Ministério da Saúde, acerca do atendimento de portadores de autismo:

É com satisfação que o Departamento Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae vem manifestar seu apoio ao importante documento LINHA DE CUIDADO NA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E SUAS FAMÍLIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consideramos que o manual alcança o objetivo visado de nortear ações de gestores e profissionais, apresentando diretrizes e orientações imprescindíveis para a detecção precoce de risco, diagnóstico e atenção à pessoa com autismo e sua família. Destacamos nossa especial concordância com alguns aspectos presentes no manual: atenção à subjetividade e singularidade da pessoa com autismo e sua família, sem negligência ao desenvolvimento da autonomia e capacidades globais; acolhida à diferentes concepções sobre o quadro sem privilégio de qualquer abordagem teórica ou terapêutica, incluindo atendimento multidisciplinar; ênfase na necessária atuação articulada dos diferentes dispositivos de saúde que compõem a Rede de Atenção Psicossocial; e disposição de implementar a necessária articulação intersetorial (saúde mental, educação, justiça e assistência social) para responder à complexidade da inclusão total das pessoas com autismo e seus familiares. Como integrantes do Instituto Sedes Sapientiae, instituição cuja importância na formação de profissionais da área de saúde mental é reconhecida, e como Departamento comprometido há mais de 20 anos com a formação de analistas de crianças, nós, do Departamento de Psicanálise da Criança, nos vemos impelidos a contribuir afirmando a necessidade imperiosa de que seja implementado um plano consistente de formação dos profissionais trabalhadores da área de saúde mental, inclusive e especialmente devido à especificidade da atenção à infância. Consideramos ainda, e dentro do espírito que norteia o manual, que formar profissionais para atender crianças com autismo e suas famílias é formá-los para a saúde mental das crianças de forma geral.

Atenciosamente,

Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae

(Obs: carta enviada em março de 2013)

PARA OBTER MAIORES INFORMAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO QUE ESTÁ ACONTECENDO SOBRE O AUTISMO, ACESSE: http://psicanaliseautismoesaudepublica.wordpress.com


TEXTO DE MARIA DIAS SOARES PARA O BOLETIM DE MAR/2013, ENFOCANDO OS ACONTECIMENTOS EM SÃO PAULO SOBRE O AUTISMO E A PSICANÁLISE, E AS REPERCUSSÕES NO INSTITUTO E NO DEPARTAMENTO:

Psicanálise em São Paulo: ecos da França?

Maria Dias Soares*

No Boletim anterior, o texto de Alessandra Barbieri “Autismo e Psicanálise: Noticias da França” nos falava dos ataques que a Psicanálise vem sofrendo na França no que tange ao tratamento do autismo e que a HAS (Haute Autorité de Santé), a mais alta instância sanitária francesa recomenda para casos diagnosticados como autismo, que se iniciem precocemente intervenções fundadas sobre um aporte educativo, comportamental e desenvolvimentista.

Bem, parece que estes ventos por aqui chegaram …

Em 4 de setembro de 2012, foi noticiado pelo Diário oficial do Estado de São Paulo, Edital de Convocação para Credenciamento pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Instituições Especializadas em Atendimento a Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (Tea). Tal edital especificava que os psicólogos deveriam ser “comprovadamente da linha Cognitivo Comportamental”, além de ser exigido do responsável pela instituição uma declaração de que ali só se utilizasse “métodos cognitivos comportamentais validados na literatura científica”, cabendo também a estes profissionais a avaliação psicológica do nível cognitivo e comportamental dos pacientes.

Alguns dias após, ficamos sabendo do fechamento do CRIA-UNIFESP (Centro de Referencia da Infância e Adolescência), instituição que, desde 2002, vem se dedicando ao atendimento de bebês, adolescentes e crianças, e seus familiares, através de um sério trabalho interdisciplinar.

Após dez anos de parceria, o CRIA foi notificado de que não receberá mais o apoio financeiro da Secretaria Estadual de Saúde do Estado, inviabilizando os atendimentos e serviços lá prestados e desrespeitando de forma inconsequente e leviana os vínculos terapêuticos ali construídos.

Os motivos alegados no ofício enviado pela SES são por este serviço não atender exclusivamente pacientes autistas e psicóticos, sendo esta a atual orientação da Secretaria, e, também, por ter uma abordagem “essencialmente psicanalítica, fugindo um pouco ao mainstream da psiquiatria atual”. E segue: “Não há evidências cientificas de sua efetividade (terapias de base analítica), além de ser muito seletiva e pouco abrangente”.

Tais acontecimentos tornam evidente uma tendência que vem prevalecendo no sistema estadual de saúde. É com preocupação cada vez maior que acompanhamos a desqualificação da psicanálise dentro da rede publica, sob a forma de medidas discriminatórias, restritivas e autoritárias, configurando um evidente retrocesso na política de saúde pública. Impor uma forma única e exclusiva de abordagem terapêutica no atendimento do autismo é, a nosso entender, um total reducionismo da pluralidade de olhares, compreensão e de abordagens terapêuticas que o sofrimento humano requer.

Esses graves acontecimentos tiveram uma forte repercussão na comunidade psicanalítica que se uniu quando se viu convocada a debater respostas, posicionamentos e pensar ações para fazer frente a este movimento reducionista que, ao limitar as abordagens
terapêuticas, ignora o debate necessário na comunidade científica e os testemunhos de avanços terapêuticos realizados com outras abordagens, tais como os promovidos pela psicanálise a várias décadas.

Assim,

  • No Sedes, os cursos e departamentos de psicanálise se alinharam e se uniram à Diretoria e à clínica psicológica do Instituto, enviando carta dirigida à Secretaria de Saúde, ao CRP e ao CFP, questionando e alertando sobre os riscos das últimas medidas da SES . Além disso, em conversa entre os departamentos, tem se pensado em uma série de eventos interdepartamentais que possam promover a discussão tanto do autismo e a psicanálise, como ampliá-la para saúde publica e psicanálise.
  • Numa iniciativa coletiva, psicanalistas e terapeutas de mais de trinta instituições de orientação psicanalítica ligadas ao atendimento destas crianças vão se encontrar em dezembro, no intuito de organizar grupos de trabalho para a produção de material consistente para responder ao movimento de desqualificação do tratamento psicanalítico do autismo. Vários professores do curso e membros do departamento se inscreveram para participar desta reunião.

A ideia final é apresentar as produções dos grupos de trabalho em uma Jornada, inicialmente proposta para os dias 30 e 31 de março de 2013, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com bastante divulgação da mídia.

Nota da editora: o texto acima foi escrito em 04/12/2012. Aproximadamente dez dias depois, fomos informados de que a SES reviu sua decisão e suspendeu o fechamento do CRIA. A mobilização da comunidade psicanalítica segue firme.


[*] Coordenadora do Departamento de Psicanálise da Criança do ISS.