Encontro: Introdução ao Pensamento de André Green

Acesse aqui a versão completa desta edição!

Devido ao grande interesse por autores da psicanálise contemporânea, o Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, realizou no dia 13 de junho, um encontro, no modelo de evento aberto, que promoveu a introdução ao pensamento de André Green.

Para esse feito convidamos Helenice Oliveira Rocha. Uma colega muito querida do departamento, no qual fez sua formação de 1992 a 1995 e, que após um período sem nos visitar, nos deu a satisfação de reencontra-la. Helenice generosamente veio nos agraciar com seu saber, compartilhando com o público presente seu recorte da obra desse grande teórico, que desperta o interesse de todos nós. Helenice começa sua introdução nos dizendo que André Green possui, além de uma obra vasta, um pensamento complexo, sofisticado e profundo. Passou por várias escolas. De 1960 a 1967 frequentou os seminários de Lacan, rompeu a partir desse ano e ficou mais próximo de Winnicott e Bion. Ao longo de sua vida manteve contato com Laplanche, Pontalis, Piera Aulagnier e Anzieu, o que proporcionou a ele a construção de uma teoria muito criativa. Considerou-se sempre um freudiano. Tinha uma grande paixão pela clínica, criando teorias originais a respeito do setting e do enquadre analítico.

Green nos foi apresentado a partir de um roteiro de três dimensões: Histórica, Clínica e Metapsicológica, estando o Trabalho de Negativo como elo entre essas dimensões. Ele abriu espaço para que pensássemos sobre a chamada Crise da Psicanálise – isso se deu na virada dos anos 2000, sendo traçada por ele uma analogia à virada dos anos 20 de Freud, que contou com a segunda teoria pulsional. A psicanálise estaria produzindo modelos reducionistas e dogmáticos; estaria idealizando algumas figuras como chefes de escolas e Green fazia oposição a isso. Para o enfrentamento dessa crise, foi proposto um projeto para uma filiação pluralista a Freud, Green dizia que seria preciso manter um distanciamento do pai fundador, para que houvessem possibilidades de aberturas para a teoria e a prática psicanalítica, trazendo para a clínica contemporânea novos aportes.

Suas duas grandes contribuições foram: a conceitualização do Trabalho do Negativo e a clínica com pacientes borderlines. É na dimensão clínica que o trabalho do negativo pôde ser criado, surge através do atendimento aos pacientes ditos difíceis, no limite do analisável. O trabalho do negativo, foi teorizado em 1993, surgido do interesse de Green pelo desligamento feito pela pulsão de morte. Faz-se necessário abordar a reconceitualização da pulsão de morte feita por ele.

Se na pulsão de vida a função é objetalizante, ou seja, ligar a pulsão de amor ao objeto – objeto esse tanto interno quanto externo – essa função vai alcançar as estruturas psíquicas, que irão se transformar também em objeto (como por exemplo: o ego se transformando em objeto para Id), chegando no limite de o próprio investimento de ligação se transformar em objeto.

Já na pulsão de morte, a força é de desligamento, a função é desobjetalizante. Essa função no limite, afetaria os próprios alicerces do psiquismo, traria a manifestação do narcisismo de morte*, que além de desinvestir o objeto, chega a desinvestir o próprio eu; é o desinvestimento da própria estrutura e da unidade narcísica primária.

Helenice nos mostra, que é mediante à função desobjetalizante, que temos a desqualificação do objeto. O objeto desqualificado como tal, fica descaracterizado de sua identidade humana e de sua condição pensante: como ocorre nos casos que se realizam a tortura e a segregação racial. A própria função desobjetalizante se tornaria também um objeto ao eu.

Na continuidade de sua explanação, Helenice chega ao conceito de enquadre para Green. Ela fala que a construção da estrutura enquadrante – estrutura essa que dá os limites intrapsíquicos (id, ego e superego) e intersubjetivos (eu e o outro) – necessita que o bebê possa alucinar negativamente o objeto primário. É preciso ter uma presença/ausência do objeto.

O objeto precisa se deixar apagar para que haja um vazio estruturante, que dá acesso ao desejo e possibilita a separação do mesmo. Esse se deixar apagar, traz a constituição do objeto no espaço externo e atenua a presença desse objeto dentro do bebê. Esse objeto aparece fora como objeto de atração ou repulsão.

Nos casos limites, o objeto não é apagado, a alucinação negativa não ocorre. Então, ela nos diz: “O que fica é uma ausência de ausência, ou, uma presença de presença. A estrutura enquadrante não se forma. Nesses casos limites há o excesso de mãe dentro de si”. Esses são pacientes que vivem uma ocupação permanente com o objeto intrusivo e uma ausência radical do objeto idealizado. Ocorre uma dupla angústia: a de intrusão e a de separação. Na clínica com esses pacientes nos deparamos com a experiência do vazio, com uma cisão mais radical; em detrimento do recalque, trazendo falhas na capacidade de simbolizar e representar. O que temos aqui é uma expressão extrema do negativo, um negativo patológico, uma falência da ação necessária do negativo, que se dá através do trabalho do negativo. Portanto, há a ocorrência, por exemplo: das somatizações, das passagens ao ato e das compulsões. Os pacientes que estão no limite do analisável, realizam grandes ataques ao enquadre e provocam respostas contratransferências intensas.

Green, então propôs uma mudança no enquadre clássico da psicanálise. Tornando-se necessário uma posição do analista múltipla e variável. O analista precisa ser criativo e Green iria ousar, criou um setting analítico diferenciado para esses pacientes difíceis, aderindo ao encontro cara a cara, relativizando o uso do divã, os horários e o número de sessões.

Enfim, a teoria de Green nos apresenta um espaço analítico para a construção de um enquadre, que é ao mesmo tempo contenção, distância e construção do objeto analítico; o que ele chamou de objeto terceiro, levando-o ao conceito de terceridade: paciente, analista e enquadre. A escuta do analista precisa ser dirigida a uma unidade (escuta narcísica), ao par (escuta mãe/bebê) e ao triangular (escuta a estrutura edípica).

Após a apresentação introdutória ao pensamento de Green, fomos presenteados com um lindo e sensível relato de um caso clínico feito pela também colega de Departamento, Giovana Viveiros. Tivemos a oportunidade de vivenciar junto ao seu relato as angústias e incertezas que o trabalho clínico nos traz, colocando-nos uma vez mais diante da clínica viva, onde nos deparamos com pacientes que necessitam de analistas também vivos, o que ocorre dentro de uma conceituação histórica e atual. E assim se deu nosso encontro, pudemos, novamente, constatar que a teoria só adquire sentido em correlação à prática clínica, nos deixando inspirações e aspirações para a continuada formação do analista.

Alessandra Ruivo.

* Narcisismo de morte é um conceito criado por Green que deu origem a seu mais conhecido livro: Narcisismo de Vida/Narcisismo de Morte.

Você também pode gostar

Este volume da Boletim Formação em Psicanálise é publicado no momento em que se cria, no Instituto Sedes Sapientiae, a Comissão para o Fomento a

Um lugar seguro para todas as crianças é um lugar composto por pessoas que respeitam o ritmo da criança, não retardando nem acelerando seu desenvolvimento.