“… e o mais interessante foi constatar ao final de nossa incrível viagem, que, no grupo de aproximadamente 15 casais que estavam conosco, todos, sem exagero , estão também tomando anti-depressivos . Eu e minha mulher achávamos que éramos os únicos casais em que ambos tomam …. E neste grupo -para a nossa surpresa- predominavam casais jovens, saudáveis , no auge da idade produtiva…. “
– Trecho de sessão Uma questão palpitante da Psicanálise atual é quais possíveis referências simbólicas disponíveis na cultura poderiam suprir -em algum grau- o declínio da função do Pai na formação subjetiva dos sujeitos contemporâneos.
Se levarmos em conta que é na empresa (senso lato )onde os indivíduos passam a maior parte do seu tempo e onde depositam grande parte de suas demandas de reconhecimento, não estaria justamente esta instituição a ocupar um papel central de Outro ? E qual a convocação deste Outro que não seja o imperativo destinado ao sujeito no sentido de “performar” , estar sempre motivado e infatigável ?
Este Outro estimula indiretamente o uso de psicofármacos pelos sujeitos? A empresa e os Anti-depressivos andam de mãos dadas? Nora Miguelez afirma que “…os atuais agentes desses novos poderes ( a escola, a empresa , a mídia, a propaganda, etc…) que herdaram a potência paterna, continuam a determinar a vigência da interdição edipiana, a qual é garantia dos processos de subjetivação, sexuação e “ escolha” da psicopatologia”(1A) , e que “ na contemporaneidade não existiria um vazio de poder, efeito da decadência da figura paterna; pelo contrário,novos poderes ocupariam o espaço da potência perdida pelo pai”…(1B)
A observação notável da hipermedicalização atual se relaciona não somente às características subjetivas e seus sofrimentos constituídos “ classicamente”, na relação com os objetos de amor primordiais,e que configuram a máxima freudiana “ o superego é herdeiro do Complexo de Édipo” . O mandamento do sucesso a qualquer preço e a ansiedade por status e prestígio no mínimo são alimentados pela mídia, e notadamente pela empresa,num mais além das ambições individuais ancoradas no Outro familiar e no semelhante sexuado.
O caldo cultural atual, com suas múltiplas redes de conexão e com sua capilaridade nos vários aspectos da vida (que aumentam as possibilidades certamente por um lado)- e que tem por consequência a destituição de certos cânones e lugares consagrados – estimula o sujeito à produção ,tal como no discurso do mestre Lacaniano.
O que poderia ser uma abertura ao desejo, com incremento de liberdade, tem se configurado como uma incitação categórica,levando o sujeito à alienação ao trabalho, uma das marcas do mal estar contemporâneo. Uma espécie de falta de um ponto de basta , “autorizado” desde as referência do Outro ou – ainda,ao menos deveria ser – acionado pelos termômetros de angústia internos ,esse últimos alterados pelas drogas psiquiátricas sempre no sentido de aumentar o limiar de disparo para se chegar à uma percepção do seu estado psíquico.
O Outro da empresa quer seu sangue :”tem que haver derramamento de sangue quando se fala em trabalho” como sublinhou um paciente…. e continua dizendo “ que caso não esteja disposto a se entregar à essa exigência, há uma fila de espera faminta”.O Outro que exige e ameaça.
Na vinheta clínica inicial constata-se que não se trata de um grupo de pacientes que não possuem condições financeiras ,o qual a lógica da exclusão se incide,fazendo dos tratamentos farmacológicos – infelizmente e geralmente -a única opção de alívio para grandes populações … Trata-se de uma escolha ,no caso integral ,do grupo de viagem de meu paciente. Em nenhuma hipótese se trata aqui de estabelecer um antagonismo generalizado ao uso de psicofármacos, que tem sua indicação e utilidade em casos específicos. Interessa-nos o excesso.
O caráter mandatório, sem alternativas e sem nos esquecer do eventual prazer ao se obedecer estas referências absolutas de buscar o que se diz melhor –materialmente e socialmente – em conjunto formam o campo fértil para a necessidade de mudanças agudas no plano real/pulsional, único modo de ação dos psicofármacos. Não é à toa que as medicações psiquiátricas viraram até temas do Humor , tal como o nome de uma banda carioca, parodiando o Benzodiazepínico da moda : ”Rivotrio”.
“ Só uma Ritalinazinha (2) Dr. , por favor, pelo menos até o concurso público terminar..” suplica um “ concurseiro” desesperado .
Um outro ponto onde se consegue verificar a sinergia possível entre a empresa os Anti-depressivos é o próprio efeito destes psicofármacos sobre a afetividade . É frequente pacientes, na vigência do uso de anti-depressivos ,dizerem que estão bem ,produtivos,pararam de chorar e ter oscilaçães maiores de Humor, mas que estão “sem emoções” e indiferentes às ocorrências da vida ,seja para o bem ou para o mal .
Esses remédios “super-inteligentes” , como mencionou também Fédida ,tem seu mecanismo de ação baseado no aumento do tônus psíquico(aumento da atividade psíquica) ,que fica regulado “para cima” , e também na diminuição da amplitude das variações emocionais . Em suma: fica-se com um aumento da capacidade de rendimento e uma maior tolerância aos eventos e infortúnios (em alguns casos um verdadeiro embotamento afetivo). Uma vez certo psiquiatra de renome afirmou que as pessoas ficam mais “ robustas” mentalmente ao usarem Fluoxetina.
Menos emoção e variação- decorrência dos ruídos subjetivos- e maior produtividade e foco! Há nos dias de hoje uma procura enorme para livros de auto-ajuda nesta linha: aumentar o Foco !
Não são essas características as buscadas pelos empregadores? Nossa dúvida lançada toma forma : um certo Outro, com suas demandas , deve estar relacionado à febre de anti-depressivos e psicofármacos.
Como o desejo do Homem “é o Desejo do Outro”, a indústria farmacêutica está saltitante , e dispensa suas moléculas para si mesma …
Referências :
(1) Complexo de Édipo Hoje ? Nora Miguelez, Tese de Doutorado – PUC/SP 2007- (A)pg.6 , (B) pg. 194
(2) Ritalina : anfetamina prescrita para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade , e também usada- de modo informal- com o intento de aumentar o desempenho cognitivo.
– Trecho de sessão Uma questão palpitante da Psicanálise atual é quais possíveis referências simbólicas disponíveis na cultura poderiam suprir -em algum grau- o declínio da função do Pai na formação subjetiva dos sujeitos contemporâneos.
Se levarmos em conta que é na empresa (senso lato )onde os indivíduos passam a maior parte do seu tempo e onde depositam grande parte de suas demandas de reconhecimento, não estaria justamente esta instituição a ocupar um papel central de Outro ? E qual a convocação deste Outro que não seja o imperativo destinado ao sujeito no sentido de “performar” , estar sempre motivado e infatigável ?
Este Outro estimula indiretamente o uso de psicofármacos pelos sujeitos? A empresa e os Anti-depressivos andam de mãos dadas? Nora Miguelez afirma que “…os atuais agentes desses novos poderes ( a escola, a empresa , a mídia, a propaganda, etc…) que herdaram a potência paterna, continuam a determinar a vigência da interdição edipiana, a qual é garantia dos processos de subjetivação, sexuação e “ escolha” da psicopatologia”(1A) , e que “ na contemporaneidade não existiria um vazio de poder, efeito da decadência da figura paterna; pelo contrário,novos poderes ocupariam o espaço da potência perdida pelo pai”…(1B)
A observação notável da hipermedicalização atual se relaciona não somente às características subjetivas e seus sofrimentos constituídos “ classicamente”, na relação com os objetos de amor primordiais,e que configuram a máxima freudiana “ o superego é herdeiro do Complexo de Édipo” . O mandamento do sucesso a qualquer preço e a ansiedade por status e prestígio no mínimo são alimentados pela mídia, e notadamente pela empresa,num mais além das ambições individuais ancoradas no Outro familiar e no semelhante sexuado.
O caldo cultural atual, com suas múltiplas redes de conexão e com sua capilaridade nos vários aspectos da vida (que aumentam as possibilidades certamente por um lado)- e que tem por consequência a destituição de certos cânones e lugares consagrados – estimula o sujeito à produção ,tal como no discurso do mestre Lacaniano.
O que poderia ser uma abertura ao desejo, com incremento de liberdade, tem se configurado como uma incitação categórica,levando o sujeito à alienação ao trabalho, uma das marcas do mal estar contemporâneo. Uma espécie de falta de um ponto de basta , “autorizado” desde as referência do Outro ou – ainda,ao menos deveria ser – acionado pelos termômetros de angústia internos ,esse últimos alterados pelas drogas psiquiátricas sempre no sentido de aumentar o limiar de disparo para se chegar à uma percepção do seu estado psíquico.
O Outro da empresa quer seu sangue :”tem que haver derramamento de sangue quando se fala em trabalho” como sublinhou um paciente…. e continua dizendo “ que caso não esteja disposto a se entregar à essa exigência, há uma fila de espera faminta”.O Outro que exige e ameaça.
Na vinheta clínica inicial constata-se que não se trata de um grupo de pacientes que não possuem condições financeiras ,o qual a lógica da exclusão se incide,fazendo dos tratamentos farmacológicos – infelizmente e geralmente -a única opção de alívio para grandes populações … Trata-se de uma escolha ,no caso integral ,do grupo de viagem de meu paciente. Em nenhuma hipótese se trata aqui de estabelecer um antagonismo generalizado ao uso de psicofármacos, que tem sua indicação e utilidade em casos específicos. Interessa-nos o excesso.
O caráter mandatório, sem alternativas e sem nos esquecer do eventual prazer ao se obedecer estas referências absolutas de buscar o que se diz melhor –materialmente e socialmente – em conjunto formam o campo fértil para a necessidade de mudanças agudas no plano real/pulsional, único modo de ação dos psicofármacos. Não é à toa que as medicações psiquiátricas viraram até temas do Humor , tal como o nome de uma banda carioca, parodiando o Benzodiazepínico da moda : ”Rivotrio”.
“ Só uma Ritalinazinha (2) Dr. , por favor, pelo menos até o concurso público terminar..” suplica um “ concurseiro” desesperado .
Um outro ponto onde se consegue verificar a sinergia possível entre a empresa os Anti-depressivos é o próprio efeito destes psicofármacos sobre a afetividade . É frequente pacientes, na vigência do uso de anti-depressivos ,dizerem que estão bem ,produtivos,pararam de chorar e ter oscilaçães maiores de Humor, mas que estão “sem emoções” e indiferentes às ocorrências da vida ,seja para o bem ou para o mal .
Esses remédios “super-inteligentes” , como mencionou também Fédida ,tem seu mecanismo de ação baseado no aumento do tônus psíquico(aumento da atividade psíquica) ,que fica regulado “para cima” , e também na diminuição da amplitude das variações emocionais . Em suma: fica-se com um aumento da capacidade de rendimento e uma maior tolerância aos eventos e infortúnios (em alguns casos um verdadeiro embotamento afetivo). Uma vez certo psiquiatra de renome afirmou que as pessoas ficam mais “ robustas” mentalmente ao usarem Fluoxetina.
Menos emoção e variação- decorrência dos ruídos subjetivos- e maior produtividade e foco! Há nos dias de hoje uma procura enorme para livros de auto-ajuda nesta linha: aumentar o Foco !
Não são essas características as buscadas pelos empregadores? Nossa dúvida lançada toma forma : um certo Outro, com suas demandas , deve estar relacionado à febre de anti-depressivos e psicofármacos.
Como o desejo do Homem “é o Desejo do Outro”, a indústria farmacêutica está saltitante , e dispensa suas moléculas para si mesma …
Referências :
(1) Complexo de Édipo Hoje ? Nora Miguelez, Tese de Doutorado – PUC/SP 2007- (A)pg.6 , (B) pg. 194
(2) Ritalina : anfetamina prescrita para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade , e também usada- de modo informal- com o intento de aumentar o desempenho cognitivo.