De que lugar eu falo

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Negritude e narrativas ininterruptas

Carolina Maria de Jesus em sua obra Casa de Alvenaria escreveu: 

“Eu pensava que a vida na casa de alvenaria era cheia de encantos e lirismo.

— Enganei. Tenho a impressão que estou dentro do mar lutando para não afogar.”

Para uma pessoa negra desejar e sonhar, sem uma rede de afeto potente, ela precisará saber que muitas das vezes seus desejos custarão o seu sangue. Em suas batalhas para conseguir satisfazer seus desejos neste mundo, não importa se seu corpo negro se constitui a partir de uma tomada de consciência política e racial, qualquer corpo negro já nasce marcado e é imaginado ocupando o lugar que querem que ocupem.  Para que haja satisfação de desejo o corpo negro precisa, constantemente, elaborar que entre o desejo e a satisfação há de se ter abismos gigantescos.  O racismo estrutural propiciou, em grande medida, na vida de pretos e pretas o esquecimento e tentativa de apagamento de suas potencialidades. Os sujeitos negros e as sujeitas negras, em sua ancestralidade, carregam as grandiosidades social, científica e culturais de seu o povo. E que no processo diaspórico enriqueceu grandemente outras culturas.  E é impossível falar sobre a população negra sem falar das relações de poder. É impossível tecer palavras sem tocar no fato de que mesmo com todos os debates, direitos conquistados e processos democráticos, a mesma população sofre com a judicialização do direito, a negação de sua existência, os olhares tortos em cada esquina e as palavras de ofensa, arremessadas para reforçar que lugar de preto pode ser qualquer lugar, exceto no mesmo lugar que a branquitude sempre ocupou.   Para alcançar algum nível de pertencimento é preciso, assim como Grada Kilomba evidencia em sua obra Memórias da plantação, que a população preta justifique sua existência e justifique seus desejos quando questionada. Revelando mais uma vez, de novo e de novo uma assimetria de poder.  Dito tudo isso, evoco mais um trecho de Carolina Maria de Jesus onde diz: “Há lugares que os verbos são insuficientes” De fato, concordo com Carolina, mas não no sentido de que as palavras se encerram, mas no sentido de que precisam ser substituídas pela luta. E, ao mesmo tempo, confesso que para muitas pessoas pretas o cansaço permanece na pele, assim como os espinhos permanecem nas rosas. 

No pedido de Luedji Luna em sua música Dentro Ali

_Me ajude a carregar essa maleta

_Onde eu guardo meu cansaço

_E meu sonho mais bonito

Dá um baita alívio saber que temos pessoas dividindo esse cansaço; nos abraçando e nos ajudando a carregar essa maleta cheia de cansaço e sonhos. É um encanto enorme saber que muitos se comprometem em descolonizar-se e assumir seu lugar de privilégio. E que seguem unindo forças conosco, questionando e criticando toda essa estrutura

Mini bio do autor

Meu nome é Bruno Rodrigues Silva, tenho 27 anos. Resido no Jardim Peri, periferia da zona norte de São Paulo. 

Sou trabalhar do SUS há 4 anos. Graduei em Serviço Social pela FMU, com especialização em Psicopatologia e saúde pública pela Santa Casa de São Paulo. 

Em 2022 e 23 cursei Fundamentos da psicanálise no Sedes e em 2024 iniciei o curso de Psicopatologia Psicanalítica e clínica contemporânea.

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