Desafios das construções institucionais: Por uma Formação Antirracista

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Desafios das construções institucionais: relato do evento realizado pelo Sedes em agosto de 2024: Por uma Formação Antirracista: a Importância do Aquilombamento

Marta de Aguiar Bergamin
Psicanalista, membro do Departamento Formação em Psicanálise, participante do grupo Psicanálise na Encruzilhada, Socióloga, professora da Escola de Sociologia e Política

O objetivo do encontro de sexta e sábado Por uma Formação Antirracista: a Importância do Aquilombamento, realizado no Instituto Sedes, em agosto de 2024, era fazer avançar a política institucional tanto sobre uma formação antirracista, quanto sobre como ampliar os programas de cotas e permanência dos cotistas nos diferentes cursos.

Nos grupos, inspirados pela fala sobre aquilombamento de Renato Noguera e suas proposições da formação de tecnologias culturais, baseadas nas filosofias africanas, podemos pensar como transformar modos de vida, modos de pensar e, aqui na instituição, modos de escutar.

Os desafios se mostram imensos, mas instigantes para pensarmos e agirmos coletivamente no avanço da realização de políticas e práticas que possam construir uma comunidade menos desigual. 

Os cursos do departamento Formação em Psicanálise, que aqui tomamos como guia em uma instituição grande como o Sedes, precisam enfrentar o desafio de, por dentro da formação psicanalítica, trazer essa psicanálise brasileira para compor um ethos psicanalítico. Novas perguntas precisam de espaço para se constituir como acompanhantes de práticas permanentes de mudanças necessárias. Como fazer para que, principalmente, as formas de escutar o racismo e as desigualdades brasileiras, façam parte da comunidade, ou seja, de cada um dos membros dessa instituição? Este parece ser um enorme desafio. 

As dificuldades circularam já nas reuniões preparatórias e a própria chamada ao evento poderia ter contemplado com maior efetividade a potência que esses encontros institucionais  provocam. O protagonismo dos estudantes, desejado, sentido como ainda distante, precisa de dispositivos mais efetivos que criem no corpo discente o desejo e a confiança de que podem de fato participar, opinar, apontar caminhos.

O mal-estar dos psicanalistas brancos são entregues aos psicanalistas negros como mecanismos da braquitude para lidar com questões arraigaidas, e o mal-estar pôde aparecer na plenária final do evento. Uma pergunta, das mais difíceis e das mais fundamentais, a de compreender como o afeto da raiva pode se fazer presente, expondo o tamanho da delicadeza de lidarmos com as questões raciais nesse âmbito institucional. As dificuldades de todos estarem ali para essa conversa difícil faz a potência do encontro. 

Contudo, algo que nos foi cobrado: como avançar efetivamente (uma questão, que de tão difícil pode ficar mais lenta para não ferir suscetibilidades). A culpa dos brancos pelo racismo se impõe como força paralisadora. Certa passividade toma à frente. 

Um exemplo disso é como a necessidade do letramento racial toma um “espírito” de espontaneísmo, e a passividade frente ao conhecimento que precisa ser buscado inibe avanços mais ambiciosos. A instituição foi cobrada para lidar com essas constituições da branquitude, forças sempre presentes nas dinâmicas de instituições majoritariamente brancas. 

O evento traz a possibilidade de retirarmos do “eventual” uma discussão tão fundamental. Transversalizar o debate da psicanálise, interseccionando com as relações raciais e os contextos históricos brasileiros, trazendo para o cotidiano, para a bibliografia obrigatória e para novas escutas, essas foram as principais sugestões no sentido de não mais discutirmos os mesmos pontos já falados anos atrás. 

Ser racializado nesse país provoca mal-estar e nessas reuniões será sempre necessário a disposição dos brancos em se ver parte de um sistema excludente; de um sistema que cria e recria privilégios brancos. Sem essa primeira constatação, incômoda, certamente, a possibilidade de abrirmos as portas para novos arranjos e novas formas de permanecer, não conseguiremos avançar. 

Também, fundamentalmente importante, é percebermos as transformações das reivindicações dos diferentes contextos sociais. Questões históricas mostram os desafios para caminhar sempre mudando, o que parece ser nossa vocação psicanalítica, de acompanhar um tempo de ação. 

Não é mais possível ou aceitável para a psicanálise brasileira se furtar dessa discussão, e isso precisa ser feito, no Sedes, intercambiando setores, saberes e dores, para além dos nossos grupos iniciais de pertença.

Nós, do Psicanálise na Encruzilhada, sentimo-nos convocados a arregaçar mangas para trabalhar transversalmente por esse futuro, em nosso departamento e junto com todos que topem encarar/escancarar essa necessidade: precisamos trabalhar, todos, com nosso racismo cotidiano à custa de seguirmos nos construindo psicanalistas à altura de nosso tempo.

Com a colaboração de Patrícia Villas-Bôas, professora do curso Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental, Instituto Sedes e Júlia Conceição, aluna do Fundamentos da Psicanálise e sua Prática Clínica e participante do Grupo de Trabalho Psicanálise na Encruzilhada.

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