Entrevista cedida por Maria Beatriz Romano de Godoy para a Acto Falho edição 27.
Acto Falho: Como foi sua trajetória até chegar à psicanálise?
Conheci a Psicologia durante o Ensino Médio, pois cursei o Normal que preparava os professores para darem aula no Ensino Fundamental. Durante esse curso fui apresentada a textos de Freud que serviram de base a muitas reflexões sobre o que constituía o ser humano. Seus textos e a descoberta do inconsciente, mudaram minha maneira de ver o mundo. Aos 17 para 18 anos fui convidada a lecionar no próprio colégio em que me formara e, apesar da pouca idade, observei que as crianças tinham dificuldades para aprender, não só pedagógicas. Desenvolvi um projeto e decidi chamar os pais para conversar. Acabei formando grupos de pais, que tinham dificuldades com os filhos e com eles mesmos. A partir daí busquei a Psicologia. Dentro da Psicologia eu me interessava por quase tudo no começo. Só tive contato com a psicanálise no terceiro ou quarto ano com o professor Ryad Simon, que apresentou a psicanálise de forma vívida e me despertou o desejo de estudar profundamente esse campo tão instigante. Busquei grupos de estudo desde então, e comecei a ler Freud, e a conhecer Klein. Nesse longo percurso de mais de quinze anos, a psicanalista Amina Maggi foi uma figura central.
AF: Que pessoas foram importantes em seu percurso?
Outros supervisores e coordenadores de grupos de estudo como Fábio Herrmann, Leopold Nosek, Roberto Kedhy, M. Olímpia França, Luiz Carlos Junqueira que marcaram a articulação da escuta clínica com a teoria estudada, pois a maioria deles agregava ao grupo de estudo, supervisão de casos. E o processo de análise pessoal, que começou durante os primeiros anos de faculdade, quando fiz psicoterapia pela primeira vez, com Therese Tellegen, psicoterapeuta da Gestalt, onde vivi uma experiência de autoconhecimento muito rica. E depois a psicanálise que fiz por quase 20 anos de análise. O primeiro processo, durou por volta de 8 anos, e o segundo, mais de 10, com a psicanalista Ana Maria A. Azevedo. Foi durante este último processo que optei pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) a fim de organizar e complementar o conhecimento que vinha construindo.
AF: Quando você entrou na psicanálise, que você falou que foi com a análise e com a aula no terceiro-quarto ano, como você trilhou dentro da psicanálise?
Naquela época, por razões distintas quanto às instituições, eu preferi fazer uma formação autônoma. Nem a SBPSP, nem o Sedes foram por mim considerados como possibilidades de pertencimento. E para cuidar de minha formação mantinha – a análise, o estudo e a supervisão de casos – E mesmo depois de terminar o percurso no Instituto da SBPSP, frequentei por mais de 15 anos grupos de Bion. E, por quase 3 anos, um de Lacan, com Arthur Hipólito de Moura. Penso que fazemos escolhas transferenciais sempre. E a minha escolha pela linha inglesa foi marcada pela ligação com os professores da SBPSP que lecionaram e supervisionaram os casos na USP, onde me formei em psicologia e fiz doutorado, pela análise que fiz com a Ana Azevedo e pela clínica que fui construindo, pois atendia crianças e adultos considerados casos mais graves. Freud me dava uma retaguarda, maior em certos aspectos, e outros autores, como a Klein e os pós-kleinianos, e os bionianos e pós-bionianos, foram respondendo a essa outra demanda clínica.
AF: Como começou sua experiência profissional no Sedes?
Há 25 anos vim integrar a equipe de professores do Curso Formação, aceitando o convite feito pela prof. Maria Luiza que representava um grupo de professores composto pela Suzana, Cecilia, Armando e Emir, e buscava ampliar o quadro docente, convidando psicanalistas que pudessem trazer suas experiências pessoais e institucionais e agregassem outros vértices de informação e de formação às propostas que pretendiam implementar. Era uma época de mudança, pois o Curso estava sendo reformulado e expandido. Por isso fiquei um bom tempo conhecendo o funcionamento tanto do Curso, do grupo de professores e do próprio Sedes enquanto instituição, pois fazer parte da história que o Sedes representava, trazia responsabilidade não só acadêmica. Além disso, havia a história dos professores que precisava acompanhar, levando em conta o peso das mudanças pretendidas, que exigia delicadeza, e muito respeito. Aprendi muito com todos eles e pude construir um lugar de trabalho pautado em colaboração com o grupo e com o Sedes, intermediando trocas.
AF: Como você vê o seu envolvimento na comunidade do Departamento? Você acabou de falar que entrou justamente na época de transformação
O Departamento foi criado no ano em que vim para cá. Foi concebido como um lugar que permitisse a todos os participantes do curso, como aos egressos, permanecer no Sedes, ter convívio, troca, formação continuada, estudo, pesquisa psicanalítica… Por acreditar nessa proposta participei: do Colegiado ou da Comissão de Coordenação Geral; do Núcleo de Cursos, durante 7 anos, e também fiz parte inúmeras vezes das Comissões de Curso, até assumir a Coordenação dessa Comissão, nestes 2 últimos anos.
AF: Como você pensa a psicanálise nos dias de hoje?
Os dias de hoje são marcados por um tempo de mudança de Era, como ouvi de um palestrante aqui mesmo no Sedes. Momentos difíceis! Desafios …incertezas…E a psicanálise é sub-aproveitada. Ela que traz em si mesma uma ferramenta que ajuda a pensar, e a transformar a realidade psíquica, uma área tão rica do conhecimento, que exige uma formação longa, um investimento alto, mas o retorno de tudo isso para a sociedade, é relativamente pequeno. Penso que a psicanálise vem passando por uma mudança, e os psicanalistas precisam se engajar e trabalhar extramuros. Isto é, ter necessariamente uma atuação que contemple a demanda psicossocial mais efetiva. Com isso não quero dizer que o psicanalista deva ou precise ser militante político. Ele precisa ser psicanalista, promover as condições para escutar o paciente onde se apresente, seja ele pessoa, ou instituição. Trabalhar com o sofrimento e com a expansão do pensar, participar do processo de transformação psicossocial.
AF: Como você enxerga o sujeito em sua clínica?
Busco conhecer os aspectos mais primitivos e perturbados de cada paciente para realizar um trabalho de construção e reconstrução psíquicas que crie e/ou desenvolva seu aparelho de pensar.
AF: Para você, o que uma pessoa precisa para ser psicanalista?
Para ser psicanalista é preciso ser sensível ao próprio sofrimento e ao sofrimento do outro. Portanto é preciso ter empatia e compaixão; ter sensibilidade e tolerância ao não saber….Sobretudo, ter amor à verdade que o inconsciente oferece. É a base para desenvolver a escuta e a função analítica.
AF: Bia, se você fosse deixar uma mensagem para psicanalistas em formação no nosso Departamento, qual seria?
Ao optar por ser psicanalista opta-se, também, por ser um herdeiro de Freud. E o compromisso de manter a psicanálise viva como método, técnica e metapsicologia; conservando o amor à verdade que une os psicanalistas. Que sejamos lúcidos e abertos como Freud para captar a verdade de cada um, no seu tempo e na sua singularidade.